20- Até do lixão nasce flor.

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- E como você se sente quanto a isso?

Terapia, psicólogos... lutei contra isso por cinco anos, mas cheguei em um ponto onde tem o fundo do poço, vinte centímetros de cocô, e eu. Não posso continuar infernizando minha cunhada e meus amigos com o meu problema, ou seguir encharcando as blusas do meu irmão com as minhas lágrimas. Optei por pagar uma pessoa para me aguentar, pelo menos ela estará ganhando alguma coisa com isso.

- Culpada- foi minha conclusão depois de analisar tudo o que eu senti sobre o beijo do Noah.

- Você faria de novo?- doutora Lavínia questionou novamente, não consegui responder, seria muita cara de pau- Sina?

- Sei que não posso, não podermos...- sentei na grade cadeira e abracei as minhas pernas- você devia conhecê-lo, acho que ninguém aguentaria ficar tão perto como eu estava e não fazer o que eu fiz- a médica riu.

- Tem dois pontos importantes aí, o primeiro é que não foi culpa sua, vocês têm uma história e os dois beijaram. E outra, já passou, não vale a pena se condenar por isso para sempre, por mais que seja errado.

- O que eu faço agora?

- Comece de novo, se você sente que precisa tanto assim dele, não tem porquê tentar se afastar e acabar sofrendo mais. Mas, sempre lembre da sua dignidade, lembre que você não quer ter o papel de amante na vida dele, certo?

- Certo.

- E, por mais que seja difícil, tente ignorar o fato dele ser muito bonito e você estar com saudade dele, em todos os sentidos. Ocupe a sua cabeça, leia livros, caminhe pela cidade, conheça pessoas... se for para acontecer, você pode rodar e andar por vários lugares, mas vai sempre voltar para ele.

A mulher, não muito mais velha que eu, me ofereceu uma piscadinha de olhar em cumplicidade. Sorri fraco, me coloquei de pé e a abracei, ela era boa no que fazia, não só em ouvir a minha vida desgraçada, mas na parte do conselho também. Um dos motivos de ter me rendido a suas consultas foi Josh, creio que já absorvi todos os conselhos que seu pequeno cérebro masculino fosse capaz de me fornecer.

Agradeci de novo Lavínia, marquei minha próxima consulta e saí. Fiquei de braços cruzados na frente do elevador, meu conjunto cinza de calça e moletom me aqueciam, então não precisei abraçar meu próprio corpo. A cidade ainda estava fria, a tempestade de alguns dias atrás foi só o começo da temporada gelada em São Paulo. Assim que a porta do elevador abriu, entrei e sorri educadamente para a mulher que estava lá dentro.

- Térreo?- ela perguntou de um jeito até fofo, eu diria.

- Por favor- a loira apertou o botão e eu agradeci baixinho.

De repente, um solavanco me fez pressionar as costas na parede de aço. O elevador parou e a caixa ficou escura, isso não é nada legal quando você tem um leve problema com lugares muito fechados.

- Não- só podia ser alguma pegadinha- ah não, por favor, não!

- Não tem sinal, que droga- me assustei com a voz distante que escutei- ei, calma, deve ter acabado a luz no prédio.

- Eu preciso sair daqui!- bati as mãos na porta, aquilo era horrível demais, senti meu peito fechar cada vez mais- socorro!!

- Calma, respira. Você precisa respirar fundo- senti meus braços serem segurados, aos poucos minha visão focou na mulher que me segurava- me chamo Linsey, vai ficar tudo bem, respire fundo.

Tentei seguir suas instruções, porquê o meu pequeno pedaço ainda racional sabia que era isso que eu precisava fazer. Ficar presa assim me fazia perder o controle, eu sempre prezei pela minha liberdade, me imaginar ou me sentir aprisionada em lugares muito pequenos.

Só 296 kmOnde histórias criam vida. Descubra agora