Capítulo 53 ........... Conflitos Internos

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Ela vai se casar.

Por mais que eu tentasse, essa frase não saía da minha cabeça, bem como a memória de imagens de um momento um tanto quanto inusitado e quente. A lembrança, por mais excitante, não deixava de vir acompanhada de um sabor amargo ao remeter a minha atual situação, devido justamente àquele maldito e bendito dia.

Ela vai se casar.

Inferno!

Ela realmente vai se casar.

Eu deveria tirar qualquer resquício de memórias dela da minha cabeça, do meu corpo, e rejeitar todos os pensamentos referentes à ela, mas a cretina era insuportável a ponto de me perseguir mental e emocionalmente mesmo tendo me dado um fora direta e pessoalmente.

- Maldita! – Grunhi, verdadeiramente irritada.

- Falando sozinha?

Olhando para cima, eu vi minha chefe adentrar o hall com toda a sua postura imponente e ao mesmo tempo descontraída.

Diferente do habitual, ela não trajava um dos seus terninhos executivos extremamente sensuais e elegantes, ao invés disso, suas curvas estavam moldadas por um vestido formal num tom cinza e sem decotes, mas que trazia uma fenda curta na coxa direita. Nos pés, um scarpin vermelho que dava destaque às sua pernas com panturrilhas malhadas e o início das coxas muito bem definidas.

Por mais que não estivesse em seu estilo de vestes clássicas, Dayanne Telles  permanecia linda e atraente. E o fato de eu passar a reparar tanto assim em mulheres era mais uma vez por culpa de Laura, mas o fato de reparar com tão mais afinco em minha chefe era por saber das suas intenções comigo, ou a que antes ela tinha.

Foi uma surpresa. Geralmente eu sou tão ligada aos olhares de cobiça e malícias sobre mim, que foi um choque inicial não ter notado as investidas da minha chefe até ela se ver obrigada a ser mais direta, precisamente com um beijo.

Eu ainda estava irritada com Laura por estar me evitando, e mais ainda aborrecida por ela não ter cumprido a promessa de interceder por mim com minha amiga como bem tinha dito que o faria. Acima de tudo, no entanto, eu estava triste. Odiava me sentir daquele jeito e como resultado tornava-me mais amarga para com os outros. O conflito que sempre me dominava, a batalha épica entre a razão e a emoção. Eu sentia falta da minha amiga e arrependida pelo que tinha feito, mas ao mesmo tempo tinha gostado do que aconteceu e todos os dias ia dormir com a cretina da Laura nos pensamentos e acordava, com uma frequência insuportável, após sonhos eróticos com a mesma, onde ela finalmente terminava o que havíamos iniciado naquele banheiro.

Outro conflito que me afligia era o fato de desejá-la  enquanto sabia ser errado por minha melhor amiga amá-la.

Eu era puro conflito.

Odiava o fato de Laura ter estado certa o tempo todo sobre minha possível sexualidade, mesmo no fundo desconfiando, mas tendo rejeitado a hipótese.

Odiava sentir o que sentia por ela.

Odiava sentir que estava provavelmente apaixonada pela namorada da minha melhor amiga.

Odiava o dilema em que me encontrava de estar desejando-a e a odiando; desejando-a e a querendo longe em razão da sobrevivência da minha, já quase inexistente, amizade, e perto para saciar meus desejos mais profundos.

Odiava me sentir dependente de alguém como me sentia da amizade com Cleo.

E odiava ter que mostrar o quão frágil eu era e desmanchar toda a minha marra para correr atrás de concertar um erro que Laura me induziu a fazer.

E, acima de tudo, eu odiava ter gostado do erro e tê-lo detestado ao mesmo tempo.

Então, envolvida em todos esses conflitos internos de amor e ódio e revolta, eu estava instável e mais megera do que o habitual. Pra piorar, Tandy havia voltado a me perseguir tanto nas redes sociais quanto por meio de mensagens e ligações, como se tivesse o direito de retornar a minha vida depois de tê-la literalmente fodido!

Canalha gostoso dos infernos!

Logo, eu estava insuportável. Nem mesmo eu me aguentava. Vestia-a impecável porquê, primeiro: tinha uma reputação a manter; depois porque não tinha escolhas, já que meu trabalho exigia isso, e, secretamente, porque torcia chamar a atenção de alguém que eu insistia em tentar me convencer a esquecer. Alguém que eu não deveria pensar em querer chamar a atenção.

Naquele dia eu estava linda, fria e um nojo, portando um vestido preto justo ao meu corpo, decotado nos seios, e curto o bastante para deixar em exibição minhas pernas cumpridas, que eu odiava e fingia não fazê-lo para o resto do mundo, com um salto que me deixava ainda mais alta e talvez até desengonçada, se eu não tivesse recebido aulas de postura ainda quando criança por minha ridícula e exigente mãe apenas para agradar ao meu pai egocêntrico e não fazê-la passar vergonha perante uma sociedade igualmente esnobe. Meu batom era vermelho cheguei e meus cabelos loiros e longos estavam trançados de forma impecável, caída ao meu ombro direito.

Eu cheguei àquela agência debaixo de olhares que, outrora, deixavam-me contente, em outras ocasiões até sentindo-me invencível, mas que no momento só me fez querer explodir um por um de todos eles. Minha paciência estava afundada em um poço recheado de ódio e isso se provou nada bom tanto para mim quanto para a minha chefe.

Atender aos telefonemas estava me exigindo uma paciência que de fato eu não tinha. Por diversas vezes fui grossa, tanto com terceiros como diretamente a alguns clientes, e isso, eventualmente, me trouxe uma dor de cabeça a mais, quando um deles ligou pessoalmente para a minha chefe a fim de tecer reclamações, mas eu só soube disso depois de ter sido chamada à sua sala para uma branca.

Em geral Dayanne era uma mulher simpática e flexível, ao menos comigo. Eu a considerava uma amiga, apesar de nunca admitir isso em voz alta. Almoçávamos com frequência e ela sempre me dava conselhos ou carona para casa, conversava sobre diversas coisas e me ouvia, era fácil se abrir com ela sobre coisas que geralmente eu não falava com ninguém, ainda que tentando manter sempre o meu jeito comum, o jeito como eu tratava a todos.

De alguma forma, contudo, eu nunca pensei que ela pudesse me enxergar com outros olhos. Sabia de sua orientação sexual, mas ao contrário de como eu tratava Laura, não lhe direcionava preconceito. Sempre deixava claro meu escárnio a respeito de suas aventuras, mas nunca a tratei do mesmo modo como fazia com Laura. Era quase como se o fato de ser Laura já me fizesse querer provocá-la de todo custo, não importando como fosse. Eu não sabia dizer o porquê, e, na maioria das vezes em que me questionava, acabava por concluir que era pelo fato de Dayanne ser minha chefe, ou por ela ter aquele jeitinho doce e animado de conversar, tratando-me como uma pessoa normal apesar do meu jeito, e não entortando o rosto por me achar uma patricinha insuportável e mimada.

Mas naquele dia ela parecia diferente, chateada, e eu só fui saber o motivo minutos depois da nossa discussão.

- Você não é paga para tratar as pessoas como bem entender – declarou, rígida como eu nunca antes havia visto. Ao menos não comigo. Não existia o sorriso simpático ou o olhar de repreenda porém descontraído por não gostar de alguma atitude minha. A voz suave e a calma tão longe que por um momento eu não a reconheci. Sua postura era igualmente inflexível, com um porte imponente que deixava claro a sua superioridade.

Ela estava irreconhecível e eu me perguntei se havia lhe feito algo de errado. Normalmente ela me corrige ou tenta conversar se algo que a disse a incomodou, mas nunca nesse tom ou agindo dessa forma.

Eu não me mostraria abalada, no entanto. Minha reputação era de alguém intransigente, de alguém que não se dobrava ou se importava com ninguém, a não ser a mim mesma, e eu precisava mantê-la, era o único jeito de ser respeitada de alguma forma; agindo como uma vadia gélida sem coração e interesse. E por mais que, sim, Dayanne fosse de alguma maneira importante, eu não poderia deixar que ela soubesse. As pessoas tendem a sempre se aproveitar da sua sensibilidade se você a demonstra e eu já estava cansada disso.

- Se você bem sabe, eu mal sou paga – revidei, tentando não mostrar o quanto suas palavras me atingiram enquanto mantinha uma postura indiferente e fitava minhas unhas, dessa vez pintadas de rosa chiclete.

- Não ligo para quanto recebe ou não, se está aqui contra ou a favor de sua vontade. Sua obrigação é trabalhar com o mínimo de decência, já que lhe falta qualificação profissional.

Okay, ela havia pegado pesado, e por mais que eu quisesse continuar agindo como uma vadia insensível suas palavras me acertaram em cheio.

Contra a minha vontade, uma lágrima escorreu. Eu a limpei rapidamente com o intuito de capturá-la antes que ela tivesse a chance de ver, mas pela expressão de choque em seu rosto eu soube que não obtive sucesso.

- Foda-se. – Eu murmurei, dando um passo atrás, afastando-me de sua imponente mesa de vidro que nos segregava. Chefe e empregada. Era isso, não era?

- Lu...

- Eu quero que você vá se foder! – Eu sabia que não estava agindo de forma correta e que não poderia simplesmente de fato tacar o foda-se e nunca mais pisar os pés ali. Eu não tinha nada. Sequer a chance de ter minha liberdade e procurar por um emprego melhor, ainda que não quisesse me rebaixar a nada que não fosse do meu nível. Só estava ali porque tinha uma dívida a ser paga porque era uma idiota que se deixou levar pelas palavras de um canalha, porque sempre me dava mal quando me mostrava importar com alguém.

- Ludmila... – não havia repreensão em seu tom senão um corrosivo sentido de arrependimento. Seus olhos me gritavam isso.

Que ela e seu arrependimento se fodessem no quinto dos infernos!

- Você acha que eu queria estar aqui? Acha mesmo que foi uma escolha minha eu ser sua secretária burra e incompetente?

- Não! – Apressou-se a dizer com certo terror e confusão no rosto. -  Eu sei que...

- Não, você não sabe. Ninguém sabe! – Surtei, já não sabendo mais sobre o quê estava falando e nem porquê estava sendo tão difícil reter as lágrimas idiotas que escorriam dos meus olhos. – Você é como todos eles!

- Lu...

- Vai se foder! – Grunhi, e nenhum pouco disposta a permanecer ali, chorando como uma alucinada à sua frente, eu lhe dei as costas enquanto marchava em direção a porta.

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