Início 8 ........... Apaixonada

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- Ela me deixou.

Isso é tudo o que saí da minha boca enquanto estou sentada no sofá, olhando, sem realmente ver, através da janela. Pessoas correm em suas rotinas, casais passam sorrindo e conversando, pais e seus filhos, outros em ternos falando algumas merdas para alguém ao telefone. E, mesmo tendo percepção disso, eu não tenho foco em absolutamente nada.

- Laura estar se casando, não significa que lhe deixou de lado - minha psicóloga, Andrea, tenta me fazer entender.

Eu sorrio de maneira melancólica e irônica. Melancólica pois estou triste por Laura não ter me dito que se casaria, até que fosse o último instante. Seria amanhã. E, claro, eu fui convidada.

Ela teve a cara de pau de me convidar!

O pior de tudo, no entanto, era que isso não estava doendo tanto quanto eu achei que doeria.

Essa é a parte irônica.

Eu me vi tão focada e concentrada em reconquistar Laura, de certa forma tão obcecada, que acabei não percebendo que eu ja a tinha perdido, não para Cleo, ou não porque a própria Laura já havia me deixado. Eu a havia perdido de mim.

A confusão de sentimentos me deixou aterrorizada a ponto de me fazer ter uma das piores crises que já tive. Eu perdi Laura. Perdi os sentimentos que sentia tão veementemente por ela, em algum momento da nossa história, talvez até mesmo antes de termos dado um definitivo "fim". Contudo, fui teimosa demais para admitir. Porque, é óbvio, quando você ama realmente alguém, você não desiste, ou percebe seus sentimentos irem embora com o tempo. Se eles se forem, então nunca foram fortes o bastante, talvez nem mesmo tenha sido amor. Um carinho imenso? Uma admiração? Desejo? Tudo junto e misturado? Eu não sabia, e isso me matou por dentro.

Então, eis que cá estava eu, sentada uma vez mais à frente da minha terapeuta, lamentando a perda. Não de Laura. Não. Mas daquela que eu jurei não sentir nada. E, como sempre, acabei quebrando a cara.

- Não posso dizer que estou feliz por ela... como eu poderia? - Amarga, eu solto um meio riso. Minhas mãos estão inquietas em meu colo, as que evito olhar pela lembrança que a imagem cravada no pele do meu dedo me remete. A tatuagem. Aquela tatuagem.

Meu corpo, mesmo tenso, está largado contra o encosto do sofá, com minhas pernas dobradas, e minha cabeça virada em direção à janela. Pareço relaxada, mas sinto-me um caco por dentro. Sem sombras de dúvidas, Lúcifer deve estar festejando no quinto dos infernos!, pois as chances de eu acabar cometendo alguma loucura eram grandes.

- Ninguém espera que esteja feliz, Kamilly. Não agora, pelo menos. Viver a perda é um processo necessário. Cada um leva seu tempo, de acordo com sua atual situação e saúde mental, mas é certo que em algum momento, este processo será finalizado.

- Ela me enganou... - murmuro, e sinto as lágrimas escorrerem quietas por minhas bochechas. Sequer me dou ao trabalho de secá-las. Qual seria o sentido? Deus sabe que mais delas ainda viriam. - Ela... me fez achar que estava apaixonada. Deu-me tudo em tão poucos dias... Apenas para puxar o tapete ainda mais rapidamente.

- Não é de Laura que estamos falando, é? - Constatou com certo lamento.

Engolindo a seco, eu volto a me calar.

Não sei há quanto estou ali, mas sinto que meu tempo agora é mais curto. Como tentar expor tanto em apenas uma hora?! Como se apaixonar tão rápido, mesmo jurando amar a outra? Como sentir uma dor tão dilacerante por alguém que se acabou de conhecer? Por que a relatividade do tempo nos prejudica tanto?

- Foi mágico de um jeito... intenso - eu volto a tragar, sentindo meu bico triste se formar em meus lábios. - O jeito que ela me olhava... como me tocava... a forma como me tratava... - eu sorria tristemente com as lembranças - fez-me acreditar que eu era especial. Deixou-me confusa e irritada, mas feliz de um jeito que eu nunca me senti. E tudo isso para quê? Para me deixar sem mais nem menos. Desaparecer como se nunca tivesse existido. Cretina! - Urrei novamente irritada. - Isso é o que ela é, uma cretina!

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