Capítulo 59 ........... Bônus

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Eu estava atento. Meus olhos estreitos e desconfiados dividiam sua atenção em dois itens:

Integral ou desnatado?

Ambas as embalagens de leite esperavam meu veredito.  Eu quase suava frio diante da prateleira. Odiava quando Scarlatti me lançava esses desafios só para provar que estava certa.

A questão era: eu desistia de uma vez, e aceitava que ela tinha razão, ou arriscava a sorte?

- Vamos arriscar. – Decidi. - Se eu acertar,  terei meu prêmio - murmurei ao escolher uma dentre as duas opções e jogar uma caxia no carrinho.

- Papai, papai, papai! Eu posso levar? – Assustado, eu me virei e olhei para baixo, vendo um Kaique afobado com  um pacote de Doritos maior que ele em suas mãos. Seu boné vermelho, idêntico ao que eu usava, estava virado com a aba para atrás, na mesma posição em que o meu, e sua camisa dos Simpsons, com a estampa Bart, combinava com a minha, que levava o Homer no peito, mas a sua estava amarrotada. 

Certamente Scarlatti não tinha notado tal coisa. Ela odeia notar as crianças sujas ou desarrumadas.

- Onde conseguiu isso? – Perguntei em choque para o pequeno, podia apostar que o pacote daquilo ficava na parte mais alta da estante!

- Eu pedi a moça pra pegar pra mim – explicou simplesmente – A mamãe disse que se você deixar, eu posso comprar.

- E você tem dinheiro pra isso? – Curvando-me, eu me apoiei nos joelhos e olhei-o de perto. Seus cachinhos  escapavam debaixo do boné, de tão grandes que estavam.

- O senhor tem!

Eu grunhi, indignado com a esperteza do moleque.

- Tem certeza de que sua mãe deixou? Eu não quero dormir no sofá, cara. – Não queria mesmo. Scarlatti odeia que as crianças comam tanta besteira,  e por Kaique amar Doritos, fiscalizava quando e a quantidade que podia comer. Dizia ter muitos conservantes e porcarias químicas que poderia agredir o estômago sensível  e infantil deles.

- Eu gosto de dormir no sofá!

É claro que ele gostava de dormir no sofá. Geralmente, em cima de mim, com a boca suja de farelo de salgadinhos e a TV ligada no desenho.

- É,  você gosta. Mas não o papai – Eu peguei o saco de suas mãos e joguei dentro da carrinho. Odiava fazer compras. – Se sua mãe disser que deixou, então nós levaremos. 

- Ebaaaa! – comemorou com um pulo. Uma mulher que passava por nós com uma cesta de compras nos braços sorriu para a cena e piscou para mim, sedutora.

Jesus! Como essas mulheres podem ter tanto tesão por pais em supermercado?!

- Okay.  Vamos encontrar a mamãe – Sem dificuldades, eu o ergui no colo e o pus dentro do carrinho ainda pela metade de suplementos. 

- Papai, esse não é o leite que a gente bebe – avisou ao pegar uma das embalagens em seus pequenos braços. 

- É claro que é! – Exclamei, roubando um olhar para a mesma moça da piscadela, do outro lado do corredor.

Espero que ela não esteja me seguindo. 

- Então cadê a dona Amalera?

- Quem? – Eu estava aflito por, a medida em que empurrava o carrinho,  ver a moça nos seguindo disfarçadamente. 

Preciso comprar uma aliança mais grossa.

- A vaca Amalera, papai! A gente toma café com ela todo santo dia! - disse com um revirar estranho de olhos, uma mania que aprendeu de tanto me ver fazendo o mesmo. Agora, para tudo Kaique revirava os olhos e bufava.

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