Cleonice Narrando
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*Meus passos seguiram atrás dos de Scarlatti, deixando o clima de conversas altas e risadarias cada vez mais longe de nós.
Ela nos conduziu adiante e eu notei que o caminho nos levaria até o terraço. Estava tão curiosa e intrigada com o que quer que ela tinha para me falar, que nem pensei muito a respeito do frio que devia estar ali e que meu vestido faria um péssimo trabalho em tentar proteger-me do vento.
Assim que passamos pela porta de vidro automática, nesta noite travada em seu lugar e mantendo-se aberta, eu olhei por cima do ombro em direção onde antes estava e encontrei o rosto preocupado de Laura. Havia certo temor em seus olhos castanhos e isso só me fez desconfiar ainda mais de que ela sabia bem o que a sua amiga gostaria de falar comigo.
Com o intuito de tranquilizá-la, eu lhe sorri e soltei uma última piscadela antes de perdemos a visão uma da outra. Não queria deixá-la nervosa e aflita com o que quer que pudesse se concluir dessa conversa.
Minha relação com Scarlatti sempre foi muito cheia de dedos, apesar de deixar claro que nunca fui de abaixar a cabeça para nada ou ninguém. E em geral nós limitávamos a poucas palavras trocadas e somente o que fosse necessário, mas se a mulher queria uma conversa de igual, então ela o teria. Eu seria educada, se ela fosse educada, e elevaria a voz se ela elevasse a sua. Deixaria por sua conta e risco a condução de como as coisas poderiam ou não terminar. Não queria um climão maior do que o que já tínhamos, mas não me deixaria abater e passar por frágil. Se ainda nos tolerávamos era, primeiro, em respeito à Dylan, segundo, à Laura. Ela seria totalmente responsável por toda e qualquer coisa que fosse dita ou feita aqui, e minhas ações seriam apenas reflexos das dela.
Seguindo-a ainda de perto, eu a vejo parar próxima ao guarda-corpo de vidro com o auxílio do corrimão de madeira pintada de branco. Ela se abraça quando uma leve rajada de vento assopra contra nós, levando nossos cabelos consigo, e eu sinto as partes expostas da minha pele se arrepiar.
Certamente, nem teria sentido nada se Laura estivesse por ali. A mulher tinha um poder incrível de me esquentar apenas com um olhar. O olhar certo. É fácil ter certeza disso quando me lembro da nossa noite de “reconciliação” no terraço de um edifício qualquer, onde eu sequer notei o vento agressivo tocando nossos corpos seminus. Foi uma noite incrível e que se estendeu até o seu apartamento.
Balançando levemente a cabeça, eu tento afastar tais lembranças. Não era nada educado – ou mentalmente saudável para mim – pensar nesse tipo de momento com Scarlatti por perto.
Inalando uma respiração profunda, eu paro ao lado da mulher mais alta e de cabelos negros. Ela está quieta enquanto contempla a vista ali de cima, os demais prédios ao redor, as fracas luzes ao longe e as ruas logo abaixo.
Nada é dito por um longo período, e mesmo inquieta e louca para retornar para o lado da minha namorada e recomeçar o flerte de onde paramos, eu não a forço a adiantar o assunto, dando-lhe total liberdade para ir em seu devido e precioso tempo. Se tínhamos alguma coisa ainda para se resolver, teria que ser hoje ou nunca, e eu estava mais do que disposta a esclarecer as coisa de uma vez por todas. Ou nos declarávamos por fim inimigas, ou encontrávamos então um caminho para a paz. De um jeito ou de outro, os pingos finalmente seriam postos nos “is”
Após o que soou alguns minutos de puro silêncio, Scarlatti respirou fundo de forma audível e se virou para mim. Imitando, literalmente, suas ações, eu a encarei com a igual determinação que ela trazia nos rosto.
- Eu vou ser bem clara com você – anunciou, a voz séria assim como o olhar profundo e intimidante.
Eu reprimir um sorriso ao pensar que ela não me causava nenhum pouco de medo.
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A-traídas
Roman d'amourDentre todas as coisas boas e ruins que sucederam em Rendidos, uma das mais marcantes fora a intrigante e seduzente história entre Laura e Cleonice, duas mulheres independentes, confiantes e esbanjadoras de charme. Com seu carisma e jeito de menina...