Capítulo 27 ........... Social

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Cleonice Narrando

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O apartamento estava mais do que impecável nessa noite, com os móveis bem ilustrados, o ar limpo e cheiroso e o chão encerado. Os tapetes livres de poeira – não que tenham em seus dias comuns – e a mesa repleta de comida, em sua maior parte contratada de um bufe. Tudo havia sido preparado e arrumado com o maior carinho e a ajuda de Helena.

Minha mãe parecia animada como há muito eu não via e me peguei fazendo uma nota mental de agradecer a Laura pela brilhante ideia da social. Desde que a contei sobre a festa, ela não sabia falar sobre outra coisa. Sempre que chegava à casa, depois de um longo dia de trabalho, ela me interrogava sobre quantas pessoas já haviam confirmado presença e se tudo estava indo bem. Também voltava a me questionar se eu estava confortável com a situação e com o fato de todos ficarem sabendo de sua doença, como se isso fosse para ser uma preocupação minha e não dela, portadora do câncer. Minhas respostas eram sempre as mesmas, fazendo o máximo para tranquilizá-la e manter o seu ar de empolgação. Proporcionar sua felicidade tem sido meu objetivo, nos últimos tempos, já que perdemos tanto ao viver longe uma da outra e com o meu rancor incrustado em meu íntimo.

Apesar de estar verdadeiramente animada para rever meus irmãos, Aninha e os gêmeos, e ter um pouco mais de companhia e vida naquele apartamento, minha ansiedade mesmo era por ver e estar com Laura. Nunca pensei que sentiria tanta falta de alguém, ainda que eu a visse de vez em quando no trabalho.

Os dias tinham sido difíceis para nós, nesta semana, então nos vimos menos do que desejávamos. O fato de eu estar sempre atarefada ou em reunião com os meus clientes atrapalhou bastante nossa comunicação, e o pouco que tínhamos com as chamadas de vídeo não era suficiente para aplacar a saudade uma da outra. Não tivemos muitas oportunidades de almoçar juntas e quando acontecia tinha que ser rápido. Eu me esforçava muito para não deixar transparecer que isso me irritava, tanto para que ela não me julgasse como grudenta e carente – algo que eu nunca fui em nenhum aspecto da minha vida, mas que com ela parecia uma necessidade involuntária – quanto por saber que não era culpa nossa e que tínhamos responsabilidades.

Em consequência disso, não tivemos muitos momentos íntimos e de pegação, em parte por eu estar tentando respeitar seu pedido por espaço e tempo, apesar de inquieta por isso, mas também por não querer me humilhar mais por seus toques e atenção à esse nível. Por mais que eu morresse de amores por ela, já tinha me aventurado a ir além do que o meu orgulho permitia, e me incomodava sempre levar um fora. Minha última tentativa foi com um simples pedido para que ela dormisse comigo essa noite, e vendo que a mesma topou sem relutância ou condições arbitrárias, eu estou ousando reservar um pouquinho de esperança sobre como a noite pode terminar, ou virar, do jeito que eu tanto ansiava. Ainda assim, tentava não ter muitas expectativas, afinal, era Laura, tudo - ou nada - poderia acontecer.

Como não fui ao trabalho hoje, não pudemos nos ver, e eu me sentia péssima por não ter tido uma pequena dose dela, contentando-me somente com nossas mensagens trocadas. Minha tarefa foi me focar na social e nos seus preparativos. Contratar uma diarista para a faxina - por mais que ela tenha tido minha ajuda – e também o buffet responsável pelas iguarias e jantar da noite.

No início da tarde levei dona Moara ao shopping para que comprássemos uma roupa bem bonita. Apesar de ter se negado inicialmente, ela aceitou ir após Helena e eu alegarmos que ela deveria estar bem apresentável para conhecer os meus irmãos e que isso contava muito para uma primeira boa impressão.

Minha mãe se limitou ao básico: um conjunto simples, porém elegante, de macacão e sapatilhas. Eu a deixei no salão para que fizesse as unhas e o cabelo e fui atrás da minha própria roupa. Queria impressionar Laura com algo ousado e ter seus olhos durante toda a noite sobre mim. Até tentei pedir sua ajuda para escolher algo decente, lhe enviando algumas fotos pelo aplicativo que conversávamos, mas ela parecia gostar de todos, o que não me ajudou muito.

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