Capítulo 20 - A guitarra

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         Toquei à campainha assim que parei em frente à porta de sua casa. Estava cuidadosamente arranjada, a roupa escolhida a pensar na ocasião e sentia-me bonita, o que me fazia sentir calma. Ele abriu a porta nem um minuto depois de ter tocado, quase como se estivesse pronto para a abrir ainda antes de eu me ter aproximado. Abraçou-me apertado enquanto me puxava para dentro de casa e fechava a porta atrás de nós. Parecia que necessitava daquele contacto quase tanto como eu e nesse momento o meu coração inchou de felicidade.

      -Isso são tudo saudades?

      -Não sejas convencida.

      -Não estou a ser, estou apenas a constatar um facto. -Disse aquilo com tom de brincadeira, mas só eu sabia o quão verdade queria que aquelas palavras fossem. Eu não queria estar dependente dele, mas se o sentimento fosse mútuo, eu conseguiria viver melhor com isso. Ele afastou-se apenas o necessário para que estivesse a olhar diretamente nos meus olhos.

      -Pensei mesmo que já não vinhas.

      -Eu disse que vinha.

      -Eu sei, mas não serias a primeira pessoa a dizer uma coisa e fazer outra.

      -Tu sabes que não sou assim, não sabes? Acho que já tiveste tempo suficiente para me conhecer melhor.

      -Então vais cumprir o que me disseste no outro dia? Tocas para mim?

      -Estava mesmo com esperanças, que te fosses esquecer.

      -Porque é que tens tanto receio?

      -Não é receio, tenho vergonha.

      -De toda a gente ou só de mim?

      -Eu não toco em frente às outras pessoas, é algo que faço só para mim. Gosto de me perder na música, mas isso não implica que seja boa a fazê-lo.

      -Não tens de ser perfeita em tudo o que fazes. Sabes isso, não é? Às vezes fazemos as coisas só porque gostamos, não interessa se o resto do mundo gosta.

      -Acho que ainda estou a aprender isso. Vivi a vida toda à espera de validação dos outros. Ainda não sei muito bem como fugir a isso.

       -Não precisas de validação de ninguém, muito menos de mim. Quando estamos juntos, sinto que posso ser eu mesmo e que não tenho de esconder nenhuma parte de mim. Gostava que te sentisses da mesma forma. – Não sei se era essa a sua intenção, mas aquelas últimas palavras voaram diretamente para o meu coração e eu senti, pela primeira vez em muito tempo, que era aceite como era realmente. Desde que o tinha conhecido que estavam a existir muitas primeiras vezes na minha vida e eu sabia que queria que ele fosse o protagonista de muitas mais.

      -Tens razão. Leva-me lá então até a essa sala de música. Estou mesmo com vontade de tocar.

      -Já lá foste uma vez, estás em casa. Não precisas de mim para ir a qualquer lado. Estás à vontade.

      -Eu sinto-me à vontade, a sério que sim, mas nunca me aventuraria na tua casa sozinha.

      -Por que não?

      -Acho que me ia perder no primeiro minuto. Parece um labirinto. Não saberia ir daqui até àquele piano maravilhoso nem que a minha vida dependesse disso. Vais mesmo ter de ser o meu guia. -Ele ria-se às gargalhadas e aquele já se tinha tornado no meu som preferido no mundo inteiro.

      -És engraçada. Não queremos que te percas então! Segue-me. – Desta vez tentei realmente decorar o caminho, mas perdi-me na terceira vez em que virámos à esquerda. Aquela casa precisava urgentemente de objetos que tornassem os seus cantos distintos. Não tinha nem ideia se a saída ficava para a esquerda ou para a direita, mas também não estava preocupada, enquanto ele estivesse comigo estaria bem.

Henry White (Português)Onde histórias criam vida. Descubra agora