Capítulo 47.

973 73 29
                                    


Hardin.

Eu achava engraçado como o tempo não passava de jeito nenhum nessa casa. Enquanto eu esperava a noite chegar, os saltos de Tessa marcavam o compasso do relógio, lentos e arrastados e quando cessavam, era doloroso demais esperá-la deitar ao meu lado.

Os dias não passavam, os meses não passavam e quanto mais eu pedia para que passassem, a culpa de ver minha família deteriorando aos poucos, me castigava diariamente. Meus movimentos eram involuntários e minha mente divagava tanto, que na maioria das vezes, eu me pegava em tarefas rotineiras, sem que percebesse.

Auden estava nos carregando nas costas com sua postura e fala ensaiada, que nos certificavam de que estava tudo bem e que tudo iria voltar ao normal. Mas, tanto quanto Emery, ele também era meu filho. Eu poderia decifrá-lo em qualquer lugar do mundo... ou talvez não. 

Fico pensando se não decifrei Emery a tempo.

As olheiras eram fundas, as feições apáticas e a entonação da sua voz, já não era mais a mesma. Percebi que como forma de incentivar Emery a comer, ele só comia quando ela terminasse um prato de qualquer refeição. O que significava: nada.

"Pai?" sua voz rouca ecoou nas paredes da cozinha e senti meus olhos focarem no rapaz magro que entrou pelo arco.

Seu cabelo louro, queimado e frisado, já passava do ombro e estava um pouco emaranhado nas pontas. Franzi o cenho, me lembrando de que Tessa sempre se certificava em não deixá-lo cortar. O moletom branco estava largo e o jeans velho, surrado. As bochechas já não eram tão rosadas e seus lábios estavam um pouco rachados por conta do frio.

"O que houve? Falou com sua irmã?" reparei que minha voz saiu falhada, quando instantaneamente pigarreei para me recuperar.

Analisei sua expressão, enquanto seus ombros caíam em derrota. Ele se encostou no batente do arco e me encarou com aquele purgatório no lugar de olhos.

"Não adianta..." ele parou e estalou os dedos "Você precisa falar com ela. Alguém precisa falar com ela. Não dá pra ficarmos assim. " Senti uma exasperação em sua voz e suas mãos se movimentaram junto com seu corpo, tentando me convencer de alguma coisa.

"Emery não quer falar comigo, nem com sua mãe e muito menos com..." Minha voz falhou de novo e minha garganta se fechou. Eu não conseguia pronunciar o nome dele.

"Não importa! Vocês precisam tentar!" Auden engrossou a voz, juntando a sobrancelha e aumentando o tom. Já não estava mais encostado e sua postura pareceu enrijecer-se. Aquilo me irritou.

"Fale direito comigo." Sibilei, segurando forte a caneca de café que emanava fumaça. Olhei para mesa, para não ter de olhar para aqueles olhos iguais aos da mãe.

Eu entendia Auden, eu o entendia mais do que ninguém e saber que ele estava completamente certo, me deixava ainda mais irritado. Ter certeza de que ele estava fazendo mais o meu papel do que eu mesmo, me invalidava e não me deixava pensar direito.

"Não falo! EMERY VAI MORRER E VOCÊS VÃO DEIXAR!" Auden gritou, socando a bancada de mármore e jogando uma das cadeiras de madeira no chão. Levantei-me no meio do estopim e derramei o café na mesa, em cima da toalha de Tessa. Com a raiva que explodiu no meu peito, afastei a mesa que nos separava e marchei até ele, pronto para mostrar pra esse merdinha como ele deveria falar comigo.

"CHEGA!" uma voz estridente soou embaixo de nós. Mãos pequenas, com unhas pintadas em vermelho, estavam apoiadas em nossos peitos. Tessa nos olhava com um misto de tristeza, raiva e culpa. Os lábios tremiam, enquanto seus braços faziam força para nos manter longe um do outro.

Percebi que apertava forte demais a gola do moletom de Auden. Ele estava começando a ficar roxo, com os olhos arregalados. O soltei, me afastando rapidamente para o outro lado da cozinha.

"Você está bem, filho?" Tessa passou a mão no rosto de Auden, arrumando os cabelos dele atrás da orelha. Ele tossiu um pouco, apoiando as mãos no joelho.

"Estou..." Sua respiração estava entrecortada e ofegante.

"Você ia bater em Auden, também?" Tessa virou-se para mim, com o rosto em brasa, os punhos tremendo. "Você não se cansa de bater nas pessoas? Não se cansa de ser assim? Não se cansa de magoar e enlouquecer todo mundo...?" A interrompi aos berros. 

'O que você quer que eu faça, caralho?! Fala pra mim? O QUE MERDA QUER QUE EU FAÇA, THERESA?" Soquei a mesa novamente, sentindo aquela dor prazerosa formigar meus dedos.

O silêncio pairou na cozinha e só se ouvia o farfalhar da respiração pesada de Auden, se recuperando sentado no chão. Tessa voltou seu olhar para mim, o mesmo olhar de Auden mais cedo. 

"Você não me assusta. Eu conheço todas as suas versões." Ela sussurrou, me encarando furtivamente.

Eu conhecia aquele olhar, eu conhecia aquela expressão, conhecia o que emanava dela. Sabia que em algum momento, eu não sei em qual, mas em algum momento, isso iria findar e chegaríamos onde prometemos nunca mais chegar...

"Então sabe que eu não posso fazer mais nada."

... Ao fim. 

 ***
NOTAS DA AUTORA

Obrigada por não desistirem de mim. 
Sigam-me no Instagram. Passei a escrever por hobbie, porque agora estou cuidando da minha carreira artística. Mas não vou abandonar ninguém, prometo. 
Já sabem, né? Aquele comentariozinho maroto e aquela estrelinha safada. 

(originalmaggioli)

After 6: Depois da calmaOnde histórias criam vida. Descubra agora