Capítulo 2.

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HARDIN.

Certo, eu sabia que essa hora chegaria e não me sinto nenhum pouco culpado por ter feito de tudo para adiá-la. Todos conhecem Auden, bom, até agora conhecíamos. Nunca imaginaríamos que seu quarto estaria empanturrado de camisinhas, porra. Mas por que ele não me falou? Será que eu tenho alguma coisa a ver com seu caráter retraído? Será que ele não confia em mim o suficiente pra conversar comigo sobre esse tipo de assunto? Nesse período de tempo, fiquei pensando em como After teria surtido efeito na vida de Emery e Auden. Em como eles reagiriam ao descobrirem que o pai deles foi um tremendo cuzão e que é a mais pura sorte Tessa ainda ter escolhido me amar. Quando digo amar, digo passar por cima de toda essa merda que um dia eu fui, mesmo quando todos os fatores não me favoreciam.

Quando Auden e Emery leram em sincronia – acredito que um combinado de ambos, pra que discutissem sobre isso juntos - pela primeira vez em 18 anos, eu tive pesadelos. Eu tinha certeza de que não iriam me perdoar, não iriam me entender e eu sofri. Sofri antecipadamente no colo de Tessa por uma semana, quando eles passavam por mim e não me cumprimentavam. Quando Emery fingia não me ver pelas manhãs, enquanto preparava suas panquecas e Auden saía 20 minutos mais cedo pra que não me encontrasse no corredor. Foram os dias mais difíceis da minha vida, depois de Tessa ter escolhido me deixar temporariamente anos atrás. Andava ansioso e estressado, queria tirar satisfações e dizer que eram meus filhos e tinham a obrigação de me perdoar. Mas eu não podia e não queria ser assim. Eu jamais levantaria a voz pra eles, os traumatizaria e nem os obrigaria a fazer nada que não quisessem. São meus filhos, filhos de um cara com uma cabeça fodida e um passado obscuro. Tudo o que um dia eu não quis pra mim e escolhera odiar, morreria pra que eles não tivessem de passar.

E agora estou aqui, olhando pro rosto em chamas de Auden. Seus cabelos louros, queimados do sol, presos num coque desgrenhado. O nariz fino feito o da mãe estava franzido e seus lábios desde quando cheguei estavam comprimidos em uma linha reta, branca. Poderia dizer que é o que eu exatamente faço quando estou frustrado, mas não estamos falando de mim aqui. Uma vez na vida. Seu olhar estava voltado para os pés descalços e em sua bermuda alguns pacotes de camisinha esquecidos.

Passei a mão pelos meus cabelos mais uma vez. Droga, eu preciso cortar essa merda sem que Tessa desconfie.

"E aí? Você sabe que tá tudo bem, não sabe?" tento ser legal. Mas acho que ele notou meu esforço.
"Pai, por favor..." sua voz sai embargada, melancólica. Por muito tempo pensamos que Auden sofria de transtornos de personalidade, mas descobrimos que ele era só assim e amávamos ele incondicionalmente por isso. Para ele estava tudo bem, então para nós estava ótimo.
"Tudo bem, tudo bem. Eu só quero que confie em mim, ok? Você consegue?" meu pedido sai meio autoritário, não foi bem como planejei, mas ele assente e levanta seus olhos esverdeados pra mim. Poxa vida! Às vezes eu me esqueço de como ele se parece tanto com Tessa, tirando o fato de que seus olhos são uma mistura interessante de verde com azul, profundos e indecifráveis.
"Eu..." ele suspira "só estava me preparando." A frase sai mais como uma confissão e eu não acho nada absurdo.
"Certo. E quem é a garota?" minha voz está mais baixa agora, tentando evitar que Tessa escute por trás da porta.
"Catherine." seu rosto se ilumina por um instante, os olhos vívidos e um sorriso contido perpassam Auden. Dou uma risada e abro meu melhor sorriso, ou o melhor que eu tento dar.
"Catherine... muito sortuda, Catherine." ele ri, chutando uns pacotes soltos pelo chão. "Não quer conversar sobre ela?"
"Não, estou bem. Não temos nada ainda, estamos só conversando. Digo, ficamos algumas vezes, mas estou... estou meio receoso de que alguma coisa a mais possa acontecer, sabe..." eu o interrompo.
"Sei... Sei exatamente como é." Minha risada sai um pouco mais alta que o imaginado e ele abre um sorriso vergonhoso. "Só quero que saiba que eu estou aqui, cara. E eu entendo dessa merda toda..." aponto para os pacotes de camisinha no chão "mais do que qualquer um. E eu sei que você não é um mutante pra usar todas essas de uma vez." Sorrio, esperando uma aprovação pela piada. Ele ri, assentindo.
"Certo. Isso já tá bem estranho, juro por Deus que não quero ouvir sobre a sua vida sexual, pai. Ainda mais por saber que ela é com a minha mãe." A última palavra sai com força e ênfase. Minha risada parece ser gutural, porque caio na cama com as mãos no rosto. Mal ele sabe que a mãe dele é uma safada que adora ouvir umas putarias. Meu sorriso ainda permanece no rosto, enquanto minha boca saliva, lembrando das curvas intactas do corpo de Tessa.
Depois de ter as crianças, ela ficou na paranoia de manter o corpo, com alguma história sobre ter 30 e poucos e com corpo de 50. Fazia pilates, academia, alguns procedimentos estéticos que eu não quero saber o nome e nem o quanto custa. O resultado foi o que todos nós esperávamos, uma mulher gostosa para um caralho. Tessa parece ainda mais nova e mais feliz do que antes e não me canso de elogiá-la sempre que posso.

Levantei da cama num salto, passei a mão pelos cabelos de Auden que não se retraiu dessa vez. Dei um soco em seu braço e ele revidou com um em minha barriga. Minha boca do estômago doeu e levei meus braços para o abdômen. Auden fazia aulas de kickboxing. Imagina se não seria obra da mãe dele. Peguei-o pela gola da camiseta e o joguei no chão das camisinhas, um mar delas. Passei meu corpo por debaixo dele, prendendo minhas pernas pela sua cintura, de modo que ele ficasse de costas contra minha barriga e conseguisse prendê-lo em meus braços. Auden pareceu sufocar por uns segundos, mas teimoso feito a mãe, não tocava no meu braço. Desmaiaria, mas não desistiria. Uma risada escapou dos meus lábios.

"Vai seu frouxo. Bate logo." gritei, tendo que fazer uma força maior para segurá-lo. Auden tinha o mesmo tamanho que eu, a diferença é que minhas costas eram mais largas que as dele, o que me estabilizava no chão.

"P-pai..." sua voz saiu engasgada, como se pedisse ajuda, contudo não soltei. Então, ele bateu. Suas mãos voaram para o pescoço, procurando o ar do quarto, enquanto seu rosto voltava para sua cor normal. Os olhos arregalados me olhando, onde se apoiava no batente da porta. "Puta merda, assim não vale. Eu não sei lutar no chão" ele resmungou.
Dei de ombros, rindo maleficamente. "Então precisa aprender." Me levantei, passei a mão pelos cabelos dele e saí do quarto.

Problema número 1 resolvido. Agora, problema número 2.
As portas dos quartos estavam fechadas, passei pelo corredor esperando ouvir risadas, choro ou qualquer coisa. Mas só descobri silêncio. O que quer que fosse que estivesse acontecendo, parecia ser mais sério do que as brigas normais que Emery e Tessa tem normalmente. Elas são muito geniosas e quando discutem, tenho a impressão de que Tessa se sente satisfeita, porque se lembra de como era brigar comigo.

Meus olhos vasculham as escadas e desço, contemplando a vista da estufa. Construímos essa casa, tijolo por tijolo em um bairro nobre de New York. Tessa queria alguma coisa mais afastada, longe da muvuca e o único lugar que consegui achar foi aqui. Upper East Side fica próximo da nova editora de Vance que abriu recentemente e por consequência, eu ajudo a tomar conta. Não gosto de trabalhar todos os dias, é fato. Mas depois que os livros se tornaram um sucesso inimaginável, parece que me sinto na obrigação de escrever e escrever sem parar.

Ainda não o perdoei e mesmo com toda a terapia, Tessa e meus filhos, ainda há uma parte aqui, bem pequena, que guarda uma raiva e um rancor que podem tomar conta de mim por inteiro por um único descuido. Por isso, eu evito reuniões longas e discussões acerca dos meus trabalhos novos. Não preciso da opinião dele por ora e quero que permaneça assim.

Tessa abriu um escritório cerimonialista no centro e por incrível que pareça está fazendo um puta sucesso. A cada ano que passava o escritório não se comportava mais e ela precisava sempre se mudar para um maior, o tamanho dobrava e os custos também. Por um tempo, precisei ajudá-la com os aluguéis das salas, o que por mim faria até hoje. Mas Tessa e sua adorável teimosia não me permitiram mais quando seus clientes atingiram o maior patamar social da cidade. Tessa organiza os casamentos mais caros de New York e por vezes, ganha mais do que eu.

Penso que há alguns anos eu sentiria raiva, talvez um pouco de inveja de ver Tessa ser tão independente de mim, tão mulher. Não mais a minha menina, que transbordava lágrimas por qualquer coisa, insegura de tudo e confusa nas horas vagas. Sorrio ao me lembrar das suas fases.

Sento no banco de balanço. Banco de balanço do caralho. Quem foi que comprou essa porra pra dentro de cas...
"Ei, tudo bem aí?" a voz de Tessa parece embargada, seus olhos me examinam, meio vazios. Mas um sorriso triste se abre em seu rosto. Pego-a desprevenida e a coloco em meu colo. Balançamos forte para frente e para trás.
"Caralho. Esse banco de merda." resmungo, olhando para os braços da cadeira, trançadas em fios de madeira. Tessa ri, uma risada gostosa e quente. Mas ainda triste.
"Emery disse que não quer mais fazer faculdade." Seu sorriso desaparece, seus olhos marejam e seu rosto se transfigura numa careta dolorida. O baque é maior do que eu imaginava.

Que?! Emery não quer, o quê?!

After 6: Depois da calmaOnde histórias criam vida. Descubra agora