Hardin.
Já não sinto mais meus braços e pernas, meu corpo tem movimentos involuntários e minha cabeça está viajando pra um passado dolorido. As luzes dos postes passam em alta velocidade por cima da minha cabeça. Já não me importo com as buzinas, não me importo com as ultrapassagens. Estou tão nervoso que meus dedos estão pressionando e esfregando o volante em círculos, ficam brancos e voltam a ficar vermelhos. Balanço a cabeça freneticamente quando vejo uma minivan ocupando boa parte da faixa, reduzindo sempre que tento a ultrapassar. Mas que porr... Ultrapasso-a e não me importo de atravessar o farol vermelho. Meus olhos varrem furiosos as esquinas de Upper East Side, mesmo sabendo que Emery não estaria por lá. Eu sabia exatamente para onde ela fora, sabia como se soubesse há muito tempo. Meu corpo estremece e me pego pensando se o medo de a encontrar em uma valeta, não era o mesmo medo que Tessa sentia ao me procurar em Washington.
Dirijo até o final da avenida e pego uma travessa a direita, o cenário muda pouco. A rua é mais arborizada, os arbustos melhores cortados e um cheiro forte de lavanda invade a janela do carro. Vou passando por casas de diferentes tamanhos e diferentes arquiteturas, até quando chego na última da rua.
A casa é enorme, tem pelo menos 3 andares e grandes portões de entrada. Os muros são cobertos de trepadeiras e os canteiros são cheios de rosa. A rua está cheia de carros e sou obrigado a dar a volta no quarteirão pra achar um lugar para estacionar. Finalmente encontro e me observo prendendo os cabelos no elástico maltrapilho de Emery. Respiro fundo e esfrego as mãos no rosto.
Eu sei porquê vim. Eu sei exatamente porquê estou aqui.
Bato a porta do carro com força, dou a volta, atravesso a rua e vejo os portais do inferno me esperando convidativos. Eles abrem sem que eu chegue tão perto. Essa porra deve ter sensores caríssimos. Quando adentro o jardim, começo a escutar a altura da música que vem da casa. Não tão audível para que eu consiga decifrar. Alguns casais estão deitados nos gramados, outros estão se beijando sem cessar nos muros baixos em volta da casa. Cigarros, álcool, maconha e drogas. Estou sendo levado de volta para Londres, sem que eu queira.
Me dirijo até a porta que parece ter pelo menos 3 metros altura. Antes que eu bata, um bêbado a abre cambaleando, mal conseguindo se apresentar. Levanta uma garrafa de uísque a um brinde que não é recíproco. Adentro, empurrando-o no batente, tentando ultrapassar a muvuca que está se instalando no hall de recepção.
Realmente a casa é muito bonita, a típica decoração que enlouqueceria Tessa. Detalhes ornamentados e esculpidos em bronze cobrem todos os cantos de gesso da casa. A mobília é impecável e rústica e fico me perguntando como seria sem o montante de lixo em cima dos aparadores. Quando termino de me espremer, começo a reparar no público que frequenta a casa dos Carter. Acredito que não sejam nem da faculdade ainda, a maioria das meninas tem idade de Emery. Os homens, bem... são homens. Alguns moleques intrometidos no meio da festa, mas a maioria deve estar em graduação, pela forma como se movem com as meninas e as apalpam.
Percorro a casa e o cheiro da maconha golpeia meu rosto quando entro na cozinha, algumas meninas se beijam em cima do balcão, mas nenhuma que eu esteja realmente me fodendo. A sala é o lugar mais cheio da casa, está cheia de gente, a maioria em cima dos sofás – que são 5 no total – e os outros dançando a música infernal que tem pulsado nos meus ouvidos desde que cheguei. Uma mistura de eletrônica com jazz, só mais uma tortura de Lúcifer nesse inferno decadente em que eu cheguei.
Ainda nada de Emery. Me questiono diversas vezes e em diversos cômodos se não me enganei, se realmente a conheço o suficiente pra saber se ela viria para cá. Meus dedos se fecham e minhas mãos ficam rígidas. Avisto uma escadaria com pelo menos quatro lances de escada. Subo pedindo a Deus que minha intuição esteja errada.
Quando chego no corredor, todas as porras das portas estão fechadas. Algumas lingeries estão no chão e as observo para ver se não há alguma que se pareça com as que Emery deixa na lavanderia. Não encontro e o que me resta é bater nas portas.
Eu me recuso a entrar em qualquer uma, não quero ver ninguém transando com ninguém ou presenciar meninas de 17 anos se drogando. Então fecho os olhos por alguns segundos e imagino o que Emery faria. Quando os abro, meus pés estão me levando para a penúltima porta do corredor. Me detenho, meus dedos abrindo e fechando próximo a maçaneta e decido então bater. Não ouço barulhos, ouço murmúrios, mas nada de barulhos. Devo ter me enganado, dou as costas pronto para me dirigir a outra porta, quando escuto um grito abafado. Não muito alto, mas alto o suficiente pra que eu soubesse quem era.
"Pai!"Levo o tempo de dois chutes para arrombar a porta, com algum esforço vejo o trinco cair no chão. Meu peito está inflado e tento sugar todo ar que me alcança. O que vejo é devastador, é pior do que eu poderia prever, são todos os meus medos concretizados, são os demônios do meu passado voltando para terminarem o que um dia começaram. É o início da minha colheita.
Emery está completamente nua em cima da cama, desacordada, com vômito pelos seios e sangue por toda coxa e perna. Seus cabelos estão emaranhados e o chão está coberto de sujeira. Álcool, garrafas, bitucas e alguns pinos de cocaína. O pó branco está separado em carreiras em cima da cabeceira da cama. Eu não consigo ver mais ninguém, meus joelhos cedem um pouco e sinto meu corpo me ameaçar. Ameaçar meu consciente e limitar minha linha da realidade.
Por dois segundos, os dois segundos mais longos de toda a minha vida, eu vejo que não estamos só. Dois caras, um maior do que o outro, estão sem camiseta. Um de cueca e o outro completamente despido. O primeiro tem o pau cheio de sangue e quando reparo neles, estão tentando se limpar com a camiseta de Emery. Estão pálidos feito papel, posso ver as veias azuis saltando dos braços e as pupilas escapando das córneas.
Eu sei exatamente o que eu fiz para merecer isso. Sei quem eu fui e sei o que eu causei. Me escondi por uma camada fina de hipocrisia, sendo melhor para meus filhos e para Tessa. Fui escolhido por ela, porque alguém lá em cima resolveu me dar uma segunda chance. Mas Emery não a teve. Emery está bem na minha frente, completamente isenta de sua segunda chance.
VOCÊ ESTÁ LENDO
After 6: Depois da calma
RomanceUma silenciosa paz e calma se instaura pela família Scott, perpetuando o final feliz de Hardin e Tessa. Os anos se passaram e as mágoas e más escolhas foram deixadas para trás. Mas parece que o aparecimento de alguém indesejado e os medos passados e...