Capítulo 8.

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Hardin.

Meus olhos permaneceram fechados por mais tempo do que eu gostaria. Sinto o gosto metálico do sangue em minha boca. Parte do início da minha língua não parava de sangrar depois que a mordi com toda força de meus dentes. Cedo demais, o imbecil mais alto, com os cabelos escuros e desgrenhados me tirou do tormento que eu escolhi ficar por alguns minutos.
"E aí, cara? Não é nada do que você tá pensando. A gente pode explicar." Ele já estava vestindo sua camiseta suja, alisando-a como se fosse se limpar do porco imundo que era. Eu suspirei, sabendo exatamente o que iria acontecer. Que toda essa carcaça mentirosa que eu inventei sobre mim iria se dissipar em menos de poucos segundos.

O mais baixo vestia as calças, se apoiando na cabeceira onde Emery jazia desfalecida. Suja, humilhada, machucada. Exatamente como eu jamais imaginaria vê-la, exatamente ao contrário do que eu queria para ela quando a criei.

"Você entrou aqui pra...? Porque se for o que a gente tá pensando, ainda dá pra aproveitar alguma coisa. Eu acho." o mais alto soltou um sorriso zombeteiro, dando murrinhos no mais baixo que permanecia sério. Meu corpo entrou em colapso, como se as palavras desse filho da puta ricocheteassem por cada canto do meu crânio. Meus braços tremiam e minhas unhas malfeitas estavam rasgando a palma da minha mão.

Levei meus dedos até o bolso e saquei meu celular, procurando o número da Tessa. Caralho. Não consigo enxergar nada nessa porra. Meu polegar deslizava freneticamente pelas ligações recentes e quando encontrei Tessa, coloquei o celular na orelha. Cada bipe levou em torno de dez anos e minha cabeça já não estava no seu estado normal. Tudo o que eu construí está destruído bem na minha frente. Violentado e exposto, como a porra de um animal morto.

"Hardin?" a voz de Tessa é trêmula e não surtiu efeito, como sempre fazia. Eu estava atordoado demais, não sei como consegui ligá-la. Eu não tinha forças pra contar a verdade agora e nunca faria isso por telefone. Primeiro tinha que ter certeza do estado de Emery antes de tomar qualquer atitude estúpida, não tão mais estúpida da qual eu iria tomar agora.
"Ligue para ambulância. Estamos na E 73rd St. Última casa no final da rua, residência dos Carter. Três feridos." Minha voz sai rouca, me delatando para Tessa. Os imbecis na minha frente estão tão loucos que mal conseguem ficar em pé. Mexendo nos braços de Emery, tocando no corpo dela. Uma náusea me perpassa e me seguro pra não vomitar em meus pés.
"O quê? Hardin! O que aconteceu? Três ferid..." desligo o telefone confiando que minha menina iria fazer o que eu pedi.
"Mano, por que chamou a ambulância? Nós íamos cuidar dela por aqui" o mais alto continuou tocando nos cabelos dela. Ele tinha tatuagens nos braços e a pele muito clara. Seus dedos estavam sujos de sangue e estavam manchando as mechas de Emery.
"Ele disse que eram três feridos, John." O mais baixo e pelo visto o mais esperto se posicionou em defesa, enquanto o suposto John ainda ria e mexia em Emery.
"Para com isso! O cara só achou qu..." eu o acertei.

Minhas pernas obedeceram a meus comandos e me permiti um salto longo até onde John estava. Fechei meus punhos e o acertei em cheio no maxilar, ouvi algo como um "clack" e sua boca não conseguia mais se mover, torta para o lado direito. Ele desmaiou com o murro, mas eu não conseguia mais parar de socá-lo. Uma sequência de socos e chutes que eu não pude contar. Meus dedos já estavam sangrando, minhas unhas despedaçadas e o rosto dele completamente desfigurado. Emery foi estuprada, violentada, abusada, drogada, humilhada... Era só no que eu conseguia pensar. Em como tocaram nela, em como abriram as pernas dela e só consigo a ouvir gritar. Como a minha mãe gritou. Mais uma vez eu não pude fazer nada. Mais uma vez eu não fiz nada. Não cheguei a tempo. Só consegui assistir, como a porra de um maníaco doente. Que nunca foi curado de verdade, nunca foi tratado de verdade. Só mascarado o tempo inteiro.
"Vocês estupraram a minha filha. Seus malditos vermes desgraçados." Minha voz saiu rouca, baixa e cansada. Voltei meus olhos machados de vermelho. O sangue do desfalecido a minha frente espirrava dos supercílios.
"Você deve ter matado o cara. Você tá louco, mano." O outro mais baixo, está pálido. Se afastando aos poucos. Se esgueirando nas paredes feito uma barata, um verme nojento que come carne podre. Eu me levantei, limpando o excesso de sangue na minha cara quando ele me deu as costas para correr em direção a porta. O alcancei pelos cabelos e o lancei ao chão, perto do baú da cama. Sua cabeça bateu na quina, mas ele ainda permanecia consciente.
"Você vai morrer também." Não sei porquê eu disse isso, não sei o que deu em mim. Mas era boa essa sensação, esse formigamento nas pernas e nos braços. Não sentir nada além de ódio parecia me purificar de tudo o que eu não era. Então encaixei seu rosto miserável no meu joelho e o espanquei duas vezes. Suas mãos que estavam se protegendo, caíram rápidas do lado do corpo.

Cocei minhas mãos insensíveis e arrumei meus cabelos. Quando me sentei no chão, senti o cansaço me atingir como um golpe. As lágrimas tomaram meu rosto e comecei a tremer compulsivamente. Meu corpo ainda estava quente com o acesso de adrenalina e o que eu só conseguia sentir com o que eu acabara de fazer, era nada. Não ousei olhar para Emery, eu não queria. Se a olhasse de novo, banhada no próprio sangue e vômito, desmaiaria. Então seriam quatro feridos.

O som da sirene me alertou e me coloquei de pé. Eu não estava muito confiante das minhas pernas. Durante todo esse tempo a música infernal ainda tocava e ninguém não suspeitou de nada. A essa altura Tessa havia chamado até a polícia e eu sei o que aconteceria em seguida. Ninguém tocaria em Emery de novo. Com dificuldade joguei meu corpo em direção ao dela, tirando-a da cama. Seu corpo mole e frio começou a me assustar, os braços não tinham movimentos e seus olhos estavam entreabertos e sem vida. Eu não queria olhar, não queria vê-la. Arranquei o cobertor da cama nojenta em que ela estava e a embrulhei como fazia quando a colocava para dormir. Vacilei por uns minutos, meu corpo ameaçou ceder e eu iria machucá-la mais ainda se fôssemos para o chão. Saí do quarto o mais rápido que meus pés alcançavam, pisando no sangue escuro do rosto de John.

Estavam todos ocupados demais dançando, usando drogas e bebendo para terem prestado atenção em Emery. Esses filhos da puta, desgraçados estavam ocupados demais para não perceberem que minha filha estava sendo violentada no andar de cima. Eles nem sequer prestaram atenção quando passei com uma garota desacordada no colo, nem nas sirenes e nos giroflex da polícia.

Saí da casa e a chuva começou a cair fraca, uma garoa fina que molhou meus cabelos rápido. Meus olhos embaçados não enxergavam mais nada e eu não tinha mais forças. Meus joelhos vacilaram e senti meu coração sendo atravessado quando olhei para Emery no meu colo. Seu rosto estava inchado, com alguns hematomas nas bochechas. Sua boca com pequenos cortes abertos, os cabelos embolados em nós. 

Caí na grama e tudo o que eu pude ver foi um vulto, um pequenino vulto loiro correndo em minha direção. 

After 6: Depois da calmaOnde histórias criam vida. Descubra agora