Capítulo 23.

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Tessa.

Eu não sei o que estava acontecendo comigo, queria chorar até que não me restasse mais água para me hidratar. Eu não conseguia prestar atenção nas coisas por muito mais que alguns segundos e minha mente sempre viajava para lugares estranhos quando eu não me vigiava. Hardin conseguia me distrair a maioria do tempo, mas por um descuido, lá estava eu. Perdida num emaranhar de culpa e medo. Por uns momentos eu tive a certeza de conseguiria ser forte, que a vida já havia me pregado tantas peças que não me derrubaria com qualquer golpe que me atingisse. É muito fácil você tentar esquecer e viver em uma realidade que não é sua, imaginar os campos Elísios e criar uma vida alternativa por lá. Era exatamente o que eu estava querendo fazer e tentava quando ninguém me assistia... Mas então eu me lembrava que tinham duas pessoas nessa minha história miserável que precisavam de mim. Eu não seria feito minha mãe e muito menos o meu pai. Eu seria diferente porque era isso o que eles mereciam de mim, foi essa a minha promessa quando dei à luz aos dois.

Hardin encontrara alguma coisa nos olhos de Emery e pela dor no rosto dele não duvido que estivesse se martirizando e se lembrando da noite em que ele a encontrou. Hardin deve estar dando voltas na montanha russa da culpa e está colocando tudo o que aconteceu em suas costas, como sempre costumava fazer. A mão fria de Emery parecia esquentar mais um pouco, enquanto segurava a minha com força. Aquele toque era consolador e tudo o que eu precisava para ter certeza de que eu seria forte mais uma vez por ela. Ela não mexia os dedos, somente apertava minha mão ora ou outra, enquanto fitava seu pai.

Hardin demorou para voltar e quando voltou seus olhos fecharam fortes, sumindo com seus cílios pelas pálpebras e quando os abriu as lágrimas jorraram e molharam todo seu rosto. Ele encostou na grade de alumínio e baixou a cabeça, soluçando alto. Meu coração se apertou e o que eu queria era correr e aconchega-lo no meu abraço, mas eu não conseguia me mover, não conseguia piscar e Emery me puxou como se soubesse exatamente o que eu estava pensando.

Ele se apoiou na grade com as pernas vacilando como se estivesse para cair, tentando dizer algo entre um soluço e outro com a voz embargada, às vezes engasgando.
"Me desculpa, filha..." Ele levantou a cabeça, os olhos nitidamente vermelhos e irritados. "Me perdoa. Pelo amor de Deus. Me perdoa." Ele balançava a cabeça, agarrando o lençol de Emery puxando-o e amassando. "Eu não consegui, Emery. Eu não vi... Eu não estava lá, merda." Ele girou os calcanhares, começando a esfregar os braços com violência, como para se machucar propositalmente.

Emery não dizia nada, sua feição era impassível e seus olhos se fecharam para não ver Hardin, o cenho estava pouco franzido como se doesse.
"Hardin, para! Para com isso agora!" Minha voz saiu firme e dura como eu queria que fosse. Soltei a mão de Emery e me estiquei para alcançá-lo na ponta dos pés. Joguei meu corpo por cima dele, tentando cobri-lo por inteiro. Mas eu sempre fui pequena demais.
"Não Tessa! Não! Tá tudo errado, isso é uma porra! Eu não sou assim, não sou do jeito que você quer que eu seja. Olha o que eu deixei fazerem com ela." Ele cuspia as palavras, olhando para o chão, não retribuindo meu abraço. As mãos no rosto, cobrindo a demonstração desse acesso de raiva. Eu não sabia o que dizer, queria tirar toda essa maldita dor e engoli-la. Se eu pudesse sugar toda essa angústia que o consumia eu faria, porque até agora não tive coragem de me colocar em seu lugar, de imaginar como teria sido se fosse eu quem tivesse visto Emery naquele estado. Como se espancar até quase a morte aqueles dois rapazes não tivesse suprido a necessidade dele de vingança, como se nada do que ele fizesse diminuiria essa aflição que parece atormentá-lo todos os minutos.

"Pai, está tudo bem. Eu mereci passar por isso..." A voz de Emery saiu fraca, ainda com os olhos fechados. Eu senti tanta falta dessa voz, como eu queria pedir perdão o tempo todo, queria segurá-la no colo e dizer que eu sentia muito. A culpa é algo corrosivo que vai te destruindo aos poucos, ela come os sentimentos mais bonitos e como uma mudança vai os transformando num misto de ansiedade e emoções desconhecidas. É nocivo aos que sentem porque os pensamentos ficam atordoados e na maioria das vezes não notamos quais são nossas ações quando ela resolve se manifestar. 


"Nunca mais. Nunca mais diga isso!" Minha voz se alterou e percebi como eu estava tremendo, sem controle algum sobre meu corpo. Emery se encolheu, os olhos já não brilhavam mais e ela afundou os cabelos no travesseiro. A raiva tomou conta da minha boca e agiu sem que eu tivesse notado. Como ela poderia pensar que o que aconteceu era culpa dela? Jamais seria. Não importa como ela se comportou ou como se vestiu, não importa a forma como falou e nem os trejeitos que usou. Emery não tinha culpa de nada, ela não pediu por isso.

Hardin sentou na poltrona no canto do quarto, com as mãos no rosto. Não ousou olhar Emery pelo resto das horas que estivemos ali e ficou tempos fitando o chão e me escutando contar as novidades da semana. Ela parecia mais atenta e algumas vezes a via rir, um riso triste, mas sincero. Eu não a forçaria a fazer nada que não quisesse e nem a dizer nada que não gostaria de me contar. Tudo seria no tempo dela e eu trabalharia para que toda minha atenção estivesse nela.

"Mason está aí." Vomitei as palavras rápidas, tentando dizer num sussurro para que Hardin não ouvisse, mas tentativa falha. Emery arregalou os olhos e o rosado de seu rosto sumiu em segundos. Merda! Falei cedo demais. Merda, merda, merda. Ela recuou se afastando de mim, cobrindo-se com o lençol, se isolando em seus pensamentos novamente. Hardin me consumia com aqueles olhos verdes como se estivesse me julgando e me ameaçando. Eu não disse mais nada, esperando quem iria se arriscar dizendo algo primeiro.

"Ele não vai entrar." A voz de Hardin era baixa e grave, como uma determinação. Mas ele não imporia nada a Emery agora, não comigo aqui.
"Ele vai entrar se ela quiser, Hardin." Me levantei, arrumando minha postura. Ele também se levantou como se isso fosse me amedrontar.
"Ele não vai chegar perto dela nunca mais. Isso já foi decidido, Theresa. Acho que você não conseguiu enxergar o tipo de imbecil que está lá fora, que fez o que fez com Emery, que a abandonou naquela maldita festa!" Ele gritou, tremendo os braços ao lado do corpo e se aproximando de mim de forma hostil. Não recuei e muito menos senti medo, eu já havia lidado com essa merda muitas vezes.
"Você já fez exatamente a mesma coisa." Encarei-o e disse baixo, fazendo minha voz ecoar por todo quarto. Podia ouvir essa frase ricochetear várias vezes e Hardin socou o pé da cama de Emery. Ele deu as costas para mim e se prostrou na janela do quarto, inspecionando a vista do primeiro andar. 

"Eu quero vê-lo." Por todo esse tempo esqueci que Emery estava ali e quando a vi, ela tinha os olhos marejados, torcendo o nariz para não deixar as lágrimas escorrerem. Eu suspirei assentindo, preocupada em ter que lidar com os leões ferozes de Hardin.
"Vamos sair e vou pedir para que ele entre. Emery, não se exceda demais. Eu não sei quem ele é e não sei o que ele quer, mas por favor, permaneça em segurança." Ela sabia que eu não estava preocupada com seu bem estar físico, mas sim com o emocional.

Alcancei Hardin com passos largos e toquei em seu braço rígido, ele relaxou e quando se virou seu rosto era pura raiva. Ele passou por mim, mas antes me olhou com certo tipo de mágoa e saiu porta afora. Aquilo me deu calafrios e senti um frio no meu coração que parecia arder. Lancei um olhar para Emery que fitava as paredes brancas e saí logo atrás de Hardin.

Não o encontrei pelos corredores e concluí que ele precisava de um tempo para pensar. Eu não poderia forçá-lo a encarar essa história com braços abertos e nem aceitar esse indivíduo achando que tinha algum tipo de propriedade sobre Emery.

Era exatamente isso que eu deixaria claro para ele agora.

After 6: Depois da calmaOnde histórias criam vida. Descubra agora