Capítulo 1.

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"Mãaaaaaaaaae, onde estão meus elásticos de cabelo?"
Do último quarto, Emery bate portas e gavetas, andando de um lado para o outro, pela décima vez – se é que posso chamar de décima – á procura das xuxinhas que insiste em dizer que eu peguei por engano. Levo minhas mãos as têmporas e as massageio, procurando qualquer outra desculpa que ainda não tinha usado para assegurá-la que não tive e não tenho qualquer interesse pelos seus objetos de cabelo.
"Eu não sei, Em. Já procurou no quarto do seu irmão?" minha voz sai derrotada, grave e profunda. Se me vissem de fora, poderiam dizer que estava morta, só haviam esquecido de me enterrar e pelo cessar dos barulhos, provavelmente ela os encontrou e já está fazendo penteados "descolados".
"O que você está fazendo com meus grampos, seu merdinha?!" um baque estrondoso sai do quarto de Auden e meus pés sem que eu os coordene, já estão se movendo pelo corredor.
"Eu não vou falar mais de uma vez com vocês. Cada um para o seu quarto, agora." o que era pra ser um grito, ou algo como uma voz dura e imponente, saiu esganiçada e sem vida. Adentro o quarto de Auden e me deparo com cuecas, camisetas, meias e camisinhas espalhadas pelo chão. Pera aí. Camisinhas?

Antes que eu pudesse me recuperar do choque, Auden está recolhendo a bagunça no chão e enfiando de qualquer maneira dentro das gavetas. Se eu não estivesse paralisada, poderia estar surtando pelo jeito que ele estava desdobrando e amassando as roupas limpas. Emery amarrava os cabelos, com um sorriso presunçoso enquanto via seu irmão terminar de bagunçar a bagunça que estava pelo quarto.
"Hardin! Hardin, venha aqui agora. Rápido!" demorei alguns segundos para processar essas palavras, tentando lutar com certeza de que meu filho finalmente tinha crescido. Crescido tanto á ponto de usar camisinhas.

As botas pesam rápidas pelo assoalho, ele não se preocupou em responder, deveria ter achado mais rápido estar aqui em 1 milésimo. Suas mãos estão balançando pelo corpo, o jeans justo e a camiseta branca evidenciaram que estava de saída. Seus cabelos grandes o suficiente para se fazer um coque estão soltos e atrás das orelhas. Me demorei um pouco no cabelo, porque depois de uma briga em que saí vitoriosa, ele deixou crescer. E digo de passagem que não me arrependi.

Seus olhos encontraram os meus e por um instante meu coração foi preenchido, como toda vez em que se encontram. É como se nos recarregássemos sempre que nos aproximamos um do outro. Suas mãos chegaram até meu braço, antes que ele chegasse por completo e meus pelos se eriçaram.
"O que aconteceu?" sua voz saiu baixa, mas aguda. Seu rosto se contorceu em uma careta de preocupação e sua respiração rápida atingiu minhas narinas, num frescor de hortelã. Me recuperei por inteiro e respondi.
"Aconteceu que seu filho está usando camisinhas! Camisinhas!" a última palavra saiu baixa, como se eu estivesse engasgada com água e meu nível de indignação surtiu efeito em todos ao meu redor, tanto que estavam todos... rindo?! Estão todos rindo da minha cara? Não. Menos Auden, que parece feito como um tomate, segurando ridiculamente camisinhas e roupas nos braços. Hardin passou o braço pelos meus ombros e me segurou com força, como se tentasse me acalmar de algum furacão que passou e eu não vi.
"Parece que ele está aprendendo muito Biologia aqui dentro, não é? Irmãozinho?" a voz de Emery sai ácida, pega o restante dos elásticos e se prepara para sair.
"Vai se foder, Emery. Você me paga!" sua voz sai brava e cheia de cólera. Suspiro alto.
"Emery, para o seu quarto, agora." digo firme, sem hesitação. Concordo em todas as partes quando faço uma análise rápida sobre meus filhos. Emery sempre foi muito apegada a Hardin, de forma até intelectual, se posso dizer. Sua personalidade, características, seu temperamento e até a forma de falar, consigo enxergar Hardin. Auden sempre foi o oposto. Nunca foi de arrumar brigas, se meter em encrencas. Nunca fala mais que 4 ou 5 palavras nos almoços em família e procura sempre estar afastado de conversas que não sejam sobre clássicos.

Eles não têm muita coisa em comum, nisso estou certa. Mas posso dizer que em uma coisa eles se assemelham. Todos os problemas, sou eu quem resolvo.

Emery sai bufando, andando propositalmente arrastada. Enquanto Auden ainda com as roupas nos braços, tem os lábios comprimidos e o rosto em chamas, suas sobrancelhas unidas e os nós dos dedos brancos. "Mãe, você sabe que eu nem uso isso daqui. Eu só... Só guardei porque, sei lá..." sua voz começa alta e vai diminuindo, assim como sua vontade de se explicar. Ele solta um suspiro e joga as coisas em cima da cama. Hardin ainda está limpando o canto dos olhos das lágrimas de minutos anteriores, respirando mais fundo e se colocando ao lado de Auden.
"Você não tem que se explicar. Isso é normal, ficaria preocupado se não tivessem camisinhas no seu quarto." Hardin solta uma risada abafada, mas quando olha pro meu rosto, sua expressão divertida se dilui em segundos.
"Ele tem que se explicar sim. Primeiro, porque ele só tem 17 anos e segundo, porque... olha o tanto! Pra quê tanta camisinha num quarto só?" percorro olhando o tapete cheio de pacotes reluzentes de diversas cores, me preocupando se ele realmente nunca tenha usado... Espera, sabor "morango com limão"? Mas o que diab...?
"Só 17 anos, mãe? Não que eu esteja contestando alguma coisa, mas eu tenho muitos 17 anos. Eu ainda sou virgem, não fiz nada e acredito que você não tenha que se preocupar por agora. Mas, eu tenho 17 anos e pra mim, isso é uma idade bem adulta." ele contesta, esbaforido, jogando as mãos para o alto junto com as sobrancelhas. Hardin controla a expressão de espanto, mas depois o contorno do seu rosto se transforma numa careta de compreensão.
"Tess, será que pode nos deixar a sós, por um minuto?" Hardin suplica com os olhos, passando as mãos nas costas de Auden, que se retrai. Talvez por vergonha ou raiva. Dou as costas e fecho a porta, indignada por 1º querer participar da conversa e 2º por ainda ter dúvidas da vida sexual ativa ou não ativa do meu filho. De quem eu troquei fraldas, dei banho e mamadeira.
Meus pés se dirigem ao quarto ao lado e paro, pensando se devo bater ou não. Nunca tive uma adolescência dos sonhos, esperar que minha mãe um dia tivesse uma atitude como essa, parando e pensando se bateria na minha porta, ou não, nunca se passou pela minha cabeça. Deste modo, resolvi bater. 

Passos arrastados se demoraram perto da porta, mas por fim ela se abriu. Os olhos penetrantes de Emery pareciam me consumir, assim como os de seu pai faziam.
"Por que exatamente você está brava?" tento ser o mais amistosa que consigo, reunindo todas as forças que deixei guardada no meu interior. Abro um sorriso, mas pelo cenho franzido de Emery, foi uma tentativa fracassada.
"Não estou brava, só fiquei irritada por causa dos meus elásticos. Eles sempre somem e sempre aparecem no quarto do Auden. Que coincidência, não?" seu tom sarcástico esgota minha última gota de paciência.
"Ok, eu só estou tentando te ajudar e te entender. Eu sei que as coisas não estão saindo como planejado, mas vamos dar um jeito, ainda tem outras faculdades nas quais você pode tentar bolsa e..." sou interrompida bruscamente.
"Mãe, eu juro que não quero falar sobre isso. Eu não vou tentar mais nada, me recuso a passar por esse tipo de frustração de novo. Vou tentar me dedicar em qualquer outra coisa. Tocar guitarra, pintar quadros, recitar poemas. Coisas que eu sei que posso me aperfeiçoar e não cagar com tudo. Ok? Obrigada, mas não estou pra sermão agora." suas palavras são duras como um baque, perco o fôlego um pouco. Não sei se estou segura em assumir o controle e gritar tudo o que estou sentindo para ela. Como pode ser tão egoísta assim? Fizemos de tudo por ela, batalhamos por ela, pagamos diversos cursos pra que ela pudesse entrar na faculdade aperfeiçoada no que queria fazer. Seu domínio literário é absurdo e vê-lo sendo desperdiçado por uma birra adolescente, é como se ela estivesse cuspindo na minha cara e na cara de Hardin.

Estremeço na hora de me levantar, meus braços perderam um pouco a força, mas me empurro mentalmente em direção a porta. Tudo o que digo sai como um sopro, não mais do que um sussurro.
"Ainda não terminamos essa conversa."

After 6: Depois da calmaOnde histórias criam vida. Descubra agora