Hardin.
Aquela sensação desgraçada, aquele vazio, aquele maldito espaço vazio que eu enterrei no meu eu mais profundo, tomou conta do meu coração e da minha mente. A dor que eu estou sentindo agora é tão cansativa, uma dor tão familiar que vai construindo cada parede que eu levei anos para derrubar. Pedra por pedra, areia por areia, vou vendo todos os meus medos se tornarem realidade. "Um maldito de um merda". Sim, é exatamente isso que eu sou. Sem tirar e nem por. Onde raios eu achei que poderia dar o que a Tessa sempre quis de mim? Em qual parte da minha vida eu me convenci de que não era mais necessária minha intervenção na vida dos meus filhos?! Por que eu não reparei em Em? Por que eu não a vi? Ela esteve tão distante esse tempo todo e eu não a vi. Não vi nela uma parte da minha destruição se aflorar, não enxerguei nela os indícios de uma vida problemática que me afetou desde quando pequeno.
Sinto meus olhos marejarem novamente. Olho através da janela, já é noite e Tessa ressona em meu peito. Passo a mão por seus longos cabelos e me recordo por um momento porquê ainda existo e o motivo pelo qual estou aqui. Não posso ser injusto com ela novamente, correr e não olhar para os meus problemas seria só mais uma forma de lembrá-la de como o Hardin de seus sonhos não mudou em porra nenhuma, afinal de contas. Tamborilo os dedos pela testa, tentando montar um diálogo, alguma coisa que não me deixe demonstrar o que estou sentindo agora. Mas tudo o que enxergo em mim é raiva, culpa, desprezo. Quero gritar e esmurrar qualquer coisa que me faça sentir melhor. Quero gritar para Emery que ela não tinha esse direito, não tinha o direito de nos destruir assim. Não fomos para ela o que nossos pais foram para mim e para Tessa. Batalhamos incansavelmente, Tessa ainda mais do que eu. O que porra que fizemos de errado, Emery?
Sinto meu rosto molhado novamente e fungo os cabelos de Tessa. Ela suspira alto e levanta o rosto para me olhar. Seus olhos estão vermelhos, o rosto cansado, posso dizer... derrotado. Ela leva suas mãos para minha barriga, acompanhando com o dedo indicador todas as minhas tatuagens. Seu toque é acolhedor e eu percebo que não preciso de mais nada, afinal. Poderia fugir de tudo, sem precisar correr. Tessa é meu refúgio desde que aprendi a amá-la e ela basta. Sempre bastou.
"Ei, eu disse que vamos dar um jeito, não disse?" sua voz sai trêmula, talvez nem mesmo acreditando no que está dizendo. Balanço a cabeça, afagando seu braço.
"Nós vamos." confirmo. Mas também não tenho tanta certeza disso.
Ela se levanta procurando a calcinha no chão e mais uma vez eu me pego deliciando cada movimento carinhoso que ela faz ao se vestir, jogando os quadris de um lado para o outro, até que a calcinha cubra toda sua pele. Suas unhas estão café e o contraste com a cor branca da renda é perfeitamente calibrado com o tom das suas coxas e bunda. Eu não me canso, eu juro por Deus que eu não me canso dessa mulher. Poderia ficar aqui o dia inteiro vendo-a tirar e por, tirar e por essas roupas.
"Para de me olhar assim, por favor." Ela sorri, depois de tantos anos, ainda tímida. Abafo uma risada triste. Levanto me vestindo, buscando qualquer coisa para me cobrir do vento gelado que sopra pela janela. Tessa já saiu do quarto e eu ainda estou buscando coragem de enfrentar o que vem pela frente.
"Onde está sua irmã, Auden?" Tessa bate gentilmente na porta de Auden, que a abre depressa. Seu rosto está mais pálido que o normal, os cabelos bagunçados, a expressão contorcida de preocupação.
"Graças a Deus, pensei que vocês tivessem morrido no quarto. Já são 21:00, Em saiu com o carro assim que meu pai te levou pra cama. Isso era por volta das 15:00." Sua explicação sai rápida, as palavras atropeladas, as mãos gesticulando enquanto saía do quarto.
Mas que porra que eu dormi tanto assim? Minha cabeça está afundando num zunido insuportável e vejo Tessa acarinhar meu braço devagar.
"Como pegou o carro? Eu havia escondido a chave..." Tessa está longe, olhando através das escadas.
"Ela deve ter achado. Pegou as coisas dela, inclusive... hãn... aquela coisa e saiu." Os olhos de Auden percorrem meu rosto, buscando qualquer sinal de descontrole. Mas no momento, eu não estou. Quem está é ela e eu sei exatamente o que ela vai fazer. Porque era exatamente o que eu fazia quando as coisas fugiam do controle.
"Auden, cuida da sua mãe. Pode me ligar a qualquer hora, vou estar com o telefone. Eu sei onde ela foi, bom... É para onde eu iria." Suspiro frustrado, correndo as mãos pelos meus cabelos, prendendo-os no alto. "Tess, por favor." Ela sabe que essa súplica é para que ela não vá. Só Deus sabe o quanto essa mulher consegue ser teimosa, mas, a vejo encurvar os ombros em sinal de aprovação. Seu corpo se encolhe perto de Auden que a abraça.
"Traga-a em segurança, por favor." Seu sussurro sai como um choramingo. A beijo na testa e bato no ombro de Auden. Busco minhas chaves em cima da mesa, calço qualquer par de botas e corro em direção a garagem. Meus olhos tomaram uma cor esquisita, senti meus braços e pernas formigarem, uma sensação bem próxima e conhecida que há muitos anos eu não sentia. O gosto de sangue em minha boca seca, minha respiração ofegante.
Bati a porta do carro e o liguei. Era exatamente isso... ódio.
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After 6: Depois da calma
RomanceUma silenciosa paz e calma se instaura pela família Scott, perpetuando o final feliz de Hardin e Tessa. Os anos se passaram e as mágoas e más escolhas foram deixadas para trás. Mas parece que o aparecimento de alguém indesejado e os medos passados e...