Capítulo 16.

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Hardin.

"Hora de ir para casa." Tessa apareceu com uma muda de roupas, nada fora do padrão do que eu sempre vestia e me acomodei na cama estreita, coçando a testa na área que meus cabelos incomodavam. "Trouxe seu elástico também, na verdade, é de Emery. Então tome cuidado, não perca, quando ela acordar, vai querer sab..." sua voz falhou e seu olhar pairou pela janela que estava aberta atrás de mim. Seu pequeno nariz ficou vermelho e seus olhos se encheram d'água mais uma vez. Hoje completam 4 dias que estamos nesse inferno, Emery está em coma induzido e em toda vez que esse assunto desafoga, Tessa chora. Às vezes acontece como agora, só se emociona, lembra de algumas coisas, dá sorrisos tristes e depois volta ao normal. Mas tem horas que ninguém, nem mesmo eu consigo controlar as lágrimas que vem como um tsunami. Elas atingem a todos que estão a sua volta e não podemos fazer nada para pará-las.

Ela se aproximou e encostou a cabeça em meu ombro, já não estou mais tão dolorido e minhas pernas não ameaçam me trair. Andei esse hospital por esses dias todos e não aguentava mais ninguém "checando" se estava tudo bem. O cheiro dos cabelos dela invadiram minhas narinas e a baunilha doce do seu xampu correu por todo meu corpo. Ficamos assim por alguns minutos, seus braços apoiados em meu peito, seus ouvidos escutando meu coração e eu apaixonado por tudo o que ela fazia ou dizia. Para ser sincero, minha vontade era de cuspir tudo o que estava preso na boca do meu estômago, despejar em Tessa todo nojo e ódio que eu estava sentindo de mim nesse momento. Mas olhar para ela assim, tão indefesa, tão destruída, me faz suprimir toda essa porcaria que ameaça pular para fora sem que eu perceba. Preciso trabalhar esses sentimentos de repulsa e jogá-los na fogueira, como as bruxas desse hospital. Gostaria de transformar esse lugar em Salem.

"Oi gente. Vocês já estão indo?" a voz grossa de Auden apareceu na porta. Colocou só a cabeça para nos espiar e quando assenti, ele entrou com seu suéter amarelo. Não julgo seu estilo, Auden me lembra Landon a maioria das vezes. "Vou ficar com ela essas duas noites, vocês precisam descansar. Trouxe uma muda de roupa" ele levantou uma mochila preta, colocando-a nas costas. Faz quatro dias que não vejo Emery e ainda não tive coragem de entrar em seu quarto. Tessa disse que ela ainda está entubada e o soro tem eliminado periodicamente toda toxina de seu corpo. Disseram que ela sofreu o início de uma overdose e que mais um pouco ela poderia ter morrido.

Meu corpo estremeceu e Tessa levantou a cabeça com as sobrancelhas juntas. Seus olhos azuis me fitaram por alguns segundos e depois se soltou, o frio me pegou de supetão e esfreguei os braços.
"Você vai ficar bem? Não precisa fazer isso. A mamãe pode ficar aqui por mais alguns dias." Seus passos apressados alcançaram Auden, abraçando-o como se fosse seu último refúgio. Tessa tem estado mais emotiva ultimamente, fica se referindo como mamãe o tempo todo e está sempre relembrando como era quando as crianças eram pequenas. Ele retribuiu o abraço olhando para mim, procurando alguma solução em meu rosto e eu apenas assenti.
"Podemos ficar aqui mais um tempo." Eu sorri, me desencostando da cama amarrotada.
"Não precisa. Eu já fui para a casa, me troquei e tomei banho. Vocês estão precisando de uma noite bem dormida." Ele afagou os braços de Tessa que se levantava na ponta dos pés para mexer nos cabelos dele.
"Eu acho que você se esqueceu do mais importante." Comentei e uma sobrancelha arqueou. "Cortar esse ninho na sua cabeça." Eu ri e ele em seguida bagunçou os cabelos, prendendo-o em um rabo de cavalo.
"Você não tá lá podendo dizer alguma coisa." Ele apontou para o meu coque e passei a mão na raiz sentindo a oleosidade no topo da cabeça.
"Ninguém aqui vai cortar o cabelo." Tessa esbravejou, olhando feio para mim e Auden que riu uma risada triste.
"Ninguém vai, mamãe." Ele segurou sua cabeça e a fez encostar em seu ombro, lançando um olhar cúmplice para mim.
"Eu vou." Mexi os lábios, sem emitir som algum. Tessa virou-se bruscamente, olhando-me com os olhos marejados.
"Eu vi isso! Você vai cortar e me enganar!" As lágrimas desciam incontroláveis e seu rosto se contorceu em frustração.
"Eu não vou, meu amor. Ninguém aqui vai. Eu só estava brincando." Eu sabia que aquelas lágrimas não eram por causa do meu cabelo, nem os de Auden. Aquelas lágrimas eram muito mais doídas do que a causa de um corte. Peguei as sacolas de roupas usadas no chão, os utensílios que Auden havia trazido e me dirigi a porta, pegando Tessa pelos ombros. Ela se acomodou em meu abraço e seguimos.
"Se cuida. Me liga qualquer coisa, viremos correndo. Não deixe de nos avisar." Tessa suplicou, se apoiando em meu ombro para conseguir alcançar a testa de Auden que se abaixou para que ela pudesse beijá-lo. Eu bati em seu ombro e ele sorriu, buscando algum conforto. Eu assenti e retribui.
Tive de me esforçar um pouco, puxando Tessa que passava pelos quartos fitando cada porta. Ela parou na ala da UTI, os pés cravados no chão e virei meu rosto para o outro lado, querendo evitar de vê-la através do vidro. Meu rosto esquentou e senti as lágrimas tentando invadir o muro que eu havia construído. Tessa se virou e eu não enxergava mais minha menina, seu rosto estava impassível e eu não via nada que pudesse tirá-la daquele transe.

After 6: Depois da calmaOnde histórias criam vida. Descubra agora