Capítulo 22.

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Hardin.


Tessa só acordou no meio do caminho para o hospital. Seus olhos se arregalaram e ela colocou uma das mãos na cabeça. Franziu o cenho e me olhou confusa.
"Você apagou." Falei baixo, pensando que poderia incomodá-la com a altura da minha voz. Fechei as janelas e liguei o ar, esperando que o barulho dos carros não passasse pelas borrachas.
"Eu sei." Ela suspirou, se ajeitando no banco. "Auden falou mais alguma coisa?" Sua perna começou a se movimentar, batendo de um lado para o outro. Seus olhos azuis me fitando demoradamente. Eu assenti, me lembrando de terminado de conversar com ele. "Disse que vai estar nos esperando. Eu pedi para que ele segurasse aquele tal de Mason, por lá. Vou ter uma conversa breve com aquele imbecil." Bati no volante, já imaginando dezenas de diálogos que poderíamos ter e em qual final alternativo eu não acabaria socando a cara dele na guia.

Tessa riu baixo e pela primeira vez nessa semana, pude ver que era um sorriso esperançoso.
"Pode ser que para nós seja o fim do mundo... Mas para ela, pode ser o começo de uma nova vida." Ela se perdeu na paisagem, voando longe, apertando as mãos uma na outra. Fiquei boquiaberto por pensar que Tessa estaria dando apoio a essa barbaridade. Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Não vai ser com Emery e brincando com seus sentimentos que ele vai descobrir o "amor". Evidentemente essa história estava indo longe demais, quando minha família começou me comparar com aquele inútil. Não tem sentido, por mais hipócrita que seja da minha parte, eu ainda não superei tudo o que fiz com Tessa. Toda história maldita que a enfiei, todas as vezes que brinquei com seus sentimentos, quando a machuquei irreversivelmente. Hoje, eu sei que ela ainda carrega sequelas do sofrimento que a causei.

A paisagem parecia passar lentamente e sempre que eu podia, acelerava tentando passar nos sinais que fechavam rapidamente. Estava bem escuro e minha barriga estava roncando. Pelo que parece, iríamos ficar mais algumas horas sem comer. Desliguei o ar quando Tessa começou a se encolher no banco e quando viramos a esquina do hospital, previ o que de imediato aconteceu. A rua estava vazia, exceto por um carro mal estacionado na frente das escadarias que davam acesso ao hall do hospital. Maldito Mustang preto, aquela merda iria assombrar meus sonhos até que eu desse um jeito nesse tormento que apareceu na minha vida. Meu corpo estremeceu e meus pelos se eriçaram. Tessa percebera e sua mão pousou sobre minha coxa, alisando-a com carinho. Ela não me olhou, mas sabia que de certa forma estava tentando me consolar.

Parei o carro no outro extremo da rua e não me demorei para sair. Tessa foi mais rápida que eu, atravessando a rua sem me esperar. Devia lembrá-la que essa calça que ela estava vestindo a deixava deliciosamente gostosa. Ela olhou para trás, enquanto as portas automáticas se abriam, me esperando subir as escadas, - que porra – eram muitas. Peguei na mão dela e senti um leve aperto vindo dela. Acredito que esse gesto de conforto não fora tanto para mim. Paramos na recepção e uma moça, com intensos olhos castanhos me encarou por longos segundos antes de se apresentar. Sorriu, fingindo nitidamente que Tessa não estava ali, colocando a franja atrás da orelha repetidas vezes. Desviei o olhar, focando minha atenção em Tessa que não parecia desconfortável.

"Viemos ver Emery Scott." Tessa disse, sendo simpática. Aposto que tentando engolir a cara de nojo da recepcionista.
"Certo, e a senhora é...?" Ela ainda não olhava para Tessa, mas sua voz era desdenhosa, como se não importasse como ela iria se apresentar. Pigarreei, já começando a ficar nervoso com o jeito como ela me encarava.
"Theresa Scott." Ela ainda sorria, mas sua voz amargou quando teve de dizer seu nome inteiro. Eu não cansava de escutar como ficava lindo com o restante do meu. Os olhos da atendente se arregalaram e ela instantaneamente começou a preencher novamente a ficha de Tessa. "Desculpa a intromissão, a senhora é proprietária do cerimonial Applausi?" sua voz parecia desaparecer, enquanto digitava freneticamente em frente ao computador. Tessa sorriu mais ainda, como se o dia se tornasse mais bonito com esses episódios.
"Sim, eu mesma." Ela riu, colocando uma das mãos no bolso.

Bem, era mais fácil que eu fosse reconhecido na rua do que Tessa. Isso não acontecia com tanta frequência, mas volta e meia, eu era parado para fotos e autógrafos. Ver Tessa sendo reconhecida foi algo inédito para mim. Algumas vezes ela chegava em casa radiante, dizendo que havia dado autógrafos e que as meninas haviam pedido fotos com ela na rua. Eu não botava muita fé, na realidade, não queria acreditar que minha mulher estava começando a ser reconhecida por New York.

Até que um belo dia, ela apareceu em casa feito um sol. Com uma revista na mão, revista que eu costumava muito ler. Era Forbes. Tessa havia posado para a capa da Forbes e a matéria respectiva era "As 5 mulheres mais influentes de New York." Nesse dia eu tive certeza de que havia perdido a dependência da minha menina e que dali em diante, só a veria decolar no sucesso. Hoje já estamos acostumados, mas ainda me impressiono em como a reconhecem com tanta facilidade.

"Meu Deus!" a recepcionista arregalou os olhos, desviando totalmente sua atenção de mim. "Eu tenho uma amiga que vai se casar e ela é doida pra fazer um orçamento com você. Por favor, tem como me passar seu contato? Algum número que possamos falar diretamente, sem as etapas de seleção?" a menina parecia atropelar as palavras, procurando papéis e canetas pela bancada bagunçada.

Tessa parecia impaciente agora, trocando o peso dos pés, mas ainda sorrindo sem parar.
"Olha, não posso te passar meu contato pessoal. O que eu posso fazer é te direcionar para a Karen, ela é minha secretária. Peça para ela encaixar um horário com sua amiga na semana que vem, vamos ver o que podemos fazer." Ela tirou um cartão da bolsa e entregou para a menina que tremia compulsivamente. O brilho nos seus olhos era de quem havia acabado de ganhar na loteria.
"Certo. Muito obrigada, dona Theresa." Tessa contorceu o rosto numa careta.
"Só Tessa, por favor." Eu a cutuquei, já bufando. A recepcionista lembrou que eu estava ali e não demorou menos do que dois minutos para nos liberar. Peguei Tessa pelo braço e a arrastei corredor a dentro, sabendo exatamente para onde iríamos. Ela riu e me fez um comentário sarcástico.
"Hmm, parece que não foi a bola da vez hoje, hein?" Revirei os olhos, tentando não me importar com seu tom de voz debochado.
"Que bom que chegaram. Eu já não estava mais aguentando Mason reclamando de tudo e ameaçando quebrar as coisas." Auden nos alcançou com passos largos, assim que entramos na sala de espera. Ele parecia cansado, não havia trocado de roupa desde que saímos.
"Você já a viu?" perguntei, paciente. Não querendo ouvir a resposta.
"Já. Ela está bem." Auden desviou o olhar, mas prosseguiu. "Ela se lembra de tudo... Mas parece calma, pelo que me narrou desde o começo." Ele engoliu em seco, tentando evitar falar mais do que deveria. Olhando Tessa, que tinha o rosto impassível.
"Quero vê-la." Tessa apertou minha mão e me olhou, como que me incentivando. Eu assenti, mas estava completamente fora de mim. Eu já não sabia quais atitudes tomar daqui em diante, não sabia se ficava e esperava que as coisas sumissem e desaparecessem com o tempo. Ou eu seria feito Tessa, enfrentando o problema de frente. Assumindo meus demônios e me preparar para matá-los. Ela ainda me encarava, esperando alguma reação e fomos em direção ao quarto. "Já avisei as enfermeiras. Podem entrar, ela acabou de jantar." Ele sorriu, um sorriso triste, sem qualquer emoção. 

Tessa entrou primeiro, sua mão tremia ao tocar a maçaneta. Ela parou por uns segundos e eu apertei seu ombro, incentivando a continuar. Ela suspirou e entrou, o rangido da porta foi fraco perto do som das batidas do meu coração. Coloquei o rosto perto da fresta que Tessa estava abrindo e a vi deitada, com os olhos fechados, encolhida no lençol branco da cama. Meus pés travaram e vi os de Tessa também se embolarem, mas prossegui mentalmente até a beirada de seu leito.

Parei para vê-la melhor. Ela estava com o rosto mais corado, os cortes não eram profundos em seus lábios e estavam cicatrizando. Os hematomas em seu rosto eram pequenas manchas amarelas agora e ela parecia um pouco inchada, acredito que por causa do soro. Tessa se apoiou na grade de alumínio que nos separava dela e baixou a cabeça até perto de seus cabelos. Ela ficou ali por alguns minutos e eu não conseguia parar de olhar seu rosto contorcido de dor. Emery se mexeu, resmungando alguma coisa que eu não consegui discernir e Tessa se afastou, quando a viu abrir os olhos.

Aqueles grandes e brilhantes olhos azuis me mediam, como se estivéssemos conectados, eu mergulhei tão fundo naquela íris que quase me perdi na volta. Esqueci de tudo, esqueci da dor, esqueci da angústia, da mágoa e da culpa. Esqueci que lá fora tinha alguém que queria amá-la, mas não sabia como. Esqueci da maldade que fizeram com ela. Era só a minha menininha, que eu cuidei, mimei, brinquei e troquei.

Ela não piscava e demorou alguns minutos para que ela pudesse emitir qualquer som. Por fim ela segurou na mão de Tessa, que parecia estar alheia ao que estava acontecendo e ainda me encarando, murmurou.

"Obrigada."

After 6: Depois da calmaOnde histórias criam vida. Descubra agora