Capítulo 10.

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Tessa.

A noite tinha ficado mais fria, insuportavelmente mais fria depois da ligação de Hardin. Auden fez o meu papel ao pegar nossos casacos, as chaves do carro e nos colocar rua afora. Ele parecia saber onde estava indo quando dei as informações pra ele. O que significava que todos sabiam o que estava acontecendo, menos eu.

Era tarde da noite já, mas as ruas ainda estavam bem movimentadas. Os dedos de Auden tamborilavam no volante e eu me encolhi no carona, contando os postes de luzes por cima da janela. Eu estava evitando pensar em tudo, pensar no pior. Talvez Hardin tenha sido solidário quando me pediu para chamar a ambulância, deve ter encontrado alguém ferido. Certo, mas três pessoas? E por que ele desligou o telefone daquele jeito? Há anos que não via Hardin desestabilizado - se é que ele realmente estava – e se estivesse, não teria motivos de não me explicar o que estava acontecendo.

Balancei a cabeça irritada. Então resolvi solucionar alguns problemas.
"O que está acontecendo? Por que eu tenho a impressão de que todos sabem, menos eu?" questionei Auden, que por um segundo levou a mão aos fios louros. Ele fez um estalo com a língua e resolveu falar.
"A Emery estava andando com uma galera barra pesada, mãe. Um pessoal que já estava fazendo faculdade. Quando ela saía, normalmente era com eles. Iam busca-la em casa e depois a deixavam lá, sempre alguns quarteirões de distância." Ele esfregou um dos olhos com as mãos, como se doesse recordar... Ou entregar a irmã. "Ela estava saindo com um cara, eu não o conhecia, mas tinha alguns amigos que o conheciam e diziam que ele era louco. Tipo, louco mesmo... Usava vários tipos de drogas." Enquanto ele vomitava os segredos de Emery, concluí que eu realmente não a conhecia. Estava criando uma completa desconhecida dentro de casa e antes de julgá-la por completo, eu precisava entender, porque isso também tinha a ver comigo. Com certeza tudo isso tinha algum tipo de explicação.
"E você em nenhum momento pensou em nos contar?" eu não guardava raiva de Auden, nem alimentava qualquer tipo de sentimento que pudesse ferir os seus sentimentos em relação a mim. Eu o compreendia e talvez teria feito a mesma coisa, caso estivesse em seu lugar.
"Eu contei, mãe. Mas contei pro pai." Sua confissão me desestabilizou um pouco, mas não estava no melhor momento pra sentir ciúmes. Ou eu era a Tessa, mãe de dois filhos e esposa de Hardin. Ou eu era a Tessa amedrontada, confusa e de volta ao passado obscuro que a assombrava.
Arqueei uma sobrancelha, esperando que ele continuasse e seu rosto impassível se contorceu em alívio, jogou a cabeça em um gesto de confiança e prosseguiu.
"Certo. Contei pro pai porque estamos falando sobre Emery. Não sei como ela reagiria se você chegasse batendo na porta dela com alguma bíblia, achando que estava se deitando com o demônio." Seus olhos estão divertidos e sua boca em uma linha fina, escondendo o sorriso travesso. Minhas sobrancelhas se uniram e não pude me conter em repreendê-lo.
"Vocês são ridículos. Não é porque eu vou a igreja aos domingos que me tornei a própria protestante." Revirei os olhos, bufando perto da janela. Sua risada incendiou o carro, soltou uma das mãos do volante e esfregou um dos meus braços com carinho.
"Eu só estava brincando, dãr." Ele fez uma espécie de careta. "Bem, ela ficou sem falar comigo por uns tempos depois que o pai conversou com ela sobre o assunto. Por isso andava tão hostil. Eu não sei sobre o que conversaram e nem sei se a conversa surtiu efeito, mas..." seus olhos se voltaram para a rua "eu acho que não."

Não acredito que Hardin não me contou nada sobre isso, nem sequer comentou por cima. Eu não iria pressioná-lo... Ou iria?
"Bem, ficou difícil. Eu a via saindo mais cedo das aulas, mas não imaginava que era pra fumar maconha ou beber. Eu parei de prestar atenção em Emery depois que discutimos sobre isso. A única coisa que eu sei é que ela estava saindo com esse cara com frequência. Parece que ele é da família Carter." Meus olhos se arregalaram. Os Carter são uma família difícil... Mas o requinte e a educação deles nunca permitiram ter alguém como esse rapaz se comportando dessa maneira em seu meio. Eu ri mais para mim do que para Auden. Eu acredito piamente que isso possa ser capaz, afinal, me casei com o suposto filho de um reitor que detinha uma família incrivelmente educada mesmo com seus problemas familiares. E Hardin, bem... Hardin era o Hardin.
Ainda assim, encontro N motivos que me farão ter uma conversa seríssima com Emery quando chegarmos em casa. Se envolver com um marginal, usar drogas, beber, sair de casa escondido, mentir e ainda por cima desistir de tudo o que construímos para ela, me parece ser bem mais sério do que uma birra qualquer de adolescente mimada.

"Acho que chegamos, mãe." A voz de Auden me arrancou como uma mão de uma névoa densa de pensamentos, não havia reparado a quantidade de policiais do lado de fora dos portões dos Carter. Duas ambulâncias travavam parte do trânsito no outro extremo da rua e algumas pessoas se movimentavam ansiosas de um lado para o outro, preparando algumas espécies de maca. Auden não se importa com o lugar estacionado e sai do carro antes que eu pudesse dizer alguma coisa. Quando estou ao seu lado, sinto meu coração bater tão forte que penso que Auden possa escutá-lo. Ele me abraça apertado, enquanto tenta espiar por cima do muro das trepadeiras.
"Vocês não podem ultrapassar daqui senhores, é uma cena criminal." Uma voz grossa me parou, enquanto eu tentava junto com Auden espiar o que acontecia do outro lado do muro. Quando a fitei, uma mulher negra de estatura média, um pouco mais alta que eu, tinha uma das mãos no coldre e a outra levantada, nos separando por um braço. Eu sabia que era o trabalho dela, mas era minha filha e meu marido que estavam lá dentro. E pera aí, cena criminal?

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NOTAS DA AUTORA

Nem mesmo eu estou aguentando escrever esses capítulos gente, parece que essa agonia não acaba nunca. Argh.

After 6: Depois da calmaOnde histórias criam vida. Descubra agora