Capítulo 15.

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Hardin.

Acordei meio zonzo e quando vi onde eu estava, preferi não ter acordado. A luz do quarto era forte e mesmo com os olhos fechados, minhas pálpebras ficavam vermelhas com o led. Tudo era muito branco e não me permiti levantar a cabeça para inspecionar melhor o lugar. Continuei fitando o teto, esperando que a noite de ontem tivesse sido algum pesadelo nojento que a vida havia me dado para sofrer. O sangue escorrendo pelo meu rosto, Emery ferida em meus braços, os dois miseráveis suplicando por misericórdia.

Minhas mãos latejaram por um instante e espiei, sem mexer a cabeça, o estrago que havia feito. Alguns dedos estavam em talas e meu punho enfaixado por várias voltas em um pano fedido. Suspirei, levantando os braços e tentando chegar até meu cabelo. Uma fisgada me parou no meio do caminho e quando percebi, estava com um acesso grosso que seguia caminho até o soro que pingava pausadamente ao meu lado.

Eu sabia o que aconteceria, sabia que me trariam para esse lugar imundo. Tessa sabe o quanto não suporto hospital, o que raios eu ainda estou fazendo aqui? Afundo a cabeça mais forte no travesseiro, querendo berrar algo para as enfermeiras, mas vejo de relance alguém se movimentar no canto do quarto. A luz é muito forte e não quero mexer minha cabeça demais, sinto como se fosse explodir a qualquer momento e qualquer movimento brusco me faz gemer de dor. Procuro não fazer nenhum barulho suspeito e espero que esse alguém seja Tessa me esperando.

Tessa... Ela deve estar um caco. A essa altura aqueles porcos já a atingiram com a maldita notícia. Queria eu ter podido contar, eu emitiria os fatos mais sórdidos e tentaria acalmá-la dizendo que a justiça já foi feita. Que eu jamais deixaria Emery ser violentada daquela maneira e não ter feito nada para vingá-la. Teria enxugado suas lágrimas e teria sido forte por toda nossa família. Eu não sei como serão as coisas daqui para a frente, não sei se meu psicológico está tentando me tirar dessa realidade insuportável, mas me sinto mais forte do que nunca. Preciso entender que a culpa sempre vai ser minha, arruinei a vida de Tessa por tempo demais e mesmo sendo egoísta até a morte, nunca me afastei tempo suficiente para que ela pudesse me esquecer. Tessa não precisa desse tempo agora, não precisa que eu me afaste. Coisa que eu sempre fazia quando os problemas fugiam do controle. Me escondia na caverna da vergonha e da automutilação e não deixava ninguém me alcançar, até que Tessa com sua doçura, tinha de se desfazer de quem era para me buscar na minha mais profunda escuridão. Eu sempre fui um escroto mesmo, até depois de casado, com filhos, nunca deixei de ser um merda. Mas minha filha e minha esposa precisam desse merda, e até que elas não me queiram mais, eu serei Hardin só para elas. Até que não me reste mais nada.

"Pai?" o vulto se mexeu do outro lado do quarto, levantando-se na poltrona. Pelo canto dos olhos, ele se aproximou e pude reparar em como era alto. Meu menino. "Você acordou? Poxa, graças a Deus. Vou avisar as enfermeiras, você deve estar precisando de alg..." eu o interrompi, antes que pessoas desconhecidas começassem a me tocar.
"E aí, garotão?" tossi forte, meu estômago doeu e percebi que não comia nada desde ontem. "Tá tudo bem por aqui, não precisa chamar ninguém." Sorri fraco e ele retribuiu.
"Tá bem." Ele se aproximou da cama. Seu rosto se contorceu e fechou os olhos por um minuto. Quando os abriu, estavam marejados, mas Auden não chorava na minha frente. Então segurou as lágrimas até quando deu. "As coisas não estão muito boas por aqui, pai..." ele parou, pigarreando. A voz embargada. "Não via a hora de você acordar. Estou tentando aguentar a mãe, mas eu preciso... Sabe... Eu preciso por isso pra fora, está me matan..." ele não concluiu e se debruçou sobre a cama. As lágrimas correram rápidas e quentes, caindo no meu braço sem o acesso. Comprimi os lábios e o continuei fitando. Arranquei o acesso com pressa, o sangue escorreu pela veia fina que a agulha havia furado, mas essa dor nem se compara com a que estou sentindo agora.

Me levantei, sentando-me na cama, não me importando com as dores miseráveis que emanavam do meu corpo e o abracei. Baixei o braço de alumínio que nos separava e com a pouca força que me restava o puxei para se deitar no meu colo. Auden ocupou boa parte da cama que já era pequena, seu corpo grande se aninhou perto do meu e os pés ficaram para fora, porque não cabiam. Me ajeitei, enquanto seus soluços ficaram mais altos.

After 6: Depois da calmaOnde histórias criam vida. Descubra agora