Seulgi desviou o olhar para o chão, convencida de que assim se sentiria menos constrangida. Não teve o direito de ficar frustrada, segundos depois, ao perceber que seu esforço foi em vão.
Ela não tinha mesmo sorte com essas coisas, então por que raios ainda se surpreendia?
Foi assim durante a sua vida toda... bem, pelo menos durante toda a sua vida como uma pessoa segura de sua sexualidade. Gostar de mulheres não queria dizer que obtinha mais sucesso com elas do que teria se preferisse o sexo oposto. A questão era que ela simplesmente não levava muito jeito com paquera, nem nada do tipo. Não sabia ser direta, como Amber ou mesmo Lisa eram, e sempre se sentia insegura de dar o primeiro passo em uma direção mais ousada, sempre com receio de ser mal interpretada e a outra pessoa acabar se afastando.
Em contrapartida, também não fazia a menor ideia de como ser romântica. Nem em seus mais distantes e primitivos dias como heterossexual se vira muito ligada à imagens amorosas tradicionais. A mistificação toda sobre o primeiro beijo, o primeiro encontro e a primeira vez nunca fizeram o menor sentido em sua cabeça, sendo rebaixados à condição de pura lorota, mais um conto de ninar para garotinhas criadas numa sociedade que cultivava o mito da sensibilidade e fragilidade feminina. Caminho que não havia seguido, em momento algum de seus vinte e um anos de vida. Desde que se lembrava, Seulgi tinha absoluto pavor de babados e lacinhos, ou qualquer outra coisa que pudesse colocá-la no centro daquilo que se imaginava como sendo o ideal para alguém de seu gênero; sua mãe quase teve um treco quando, aos sete anos, pediu para ingressar no time de natação da escola ao invés da classe de balé, e sinceramente achava que aquele deveria ter sido um sinal mais do que claro para ela e para todo o restante da família do que viria a seguir.
Se eles já consideravam estranha por evitar um programa clássico para meninas, seu anúncio oficial soara como o alerta para uma catástrofe nuclear de proporções incalculáveis, ainda que na cabeça da jovem tudo estivesse mais do que óbvio e apontando essa direção.
Ao fim e ao cabo, seu novo status não trouxe nenhuma brusca alteração em sua situação amorosa, como um todo. Não teve muitos envolvimentos antes de assumir lésbica, e não choveu mulher na sua "horta" depois que o fez, de modo que continuou mais ou menos como sempre esteve: sozinha, na maior parte do tempo.
E nunca tinha pensado que a falta de experiência pudesse significar mais que absolutamente nada, até uns quinze minutos atrás. Porque quando seus pés a guiaram na direção do hall do cinema, sua concepção mudou total e drasticamente. Sentia-se estúpida por ser completamente leiga em um aspecto tão básico para o restante das pessoas do planeta, mas em simultâneo reconhecia que não havia muito que pudesse fazer naquele segundo, além de pensar em maneiras mais inteligentes de falar e em como posicionar as mãos sem parecer que estava tendo uma crise de ansiedade. Que por sinal era exatamente o que estava acontecendo.
- Você está bem? - a pergunta levou-a a deduzir que falhara em suas tentativas. Droga. Não era tão difícil parecer menos ansiosa... não deveria ser, pelo menos. Mas tudo se tornava infinitamente mais complicado com aqueles olhos cor-de-canela analisando-a de alto a baixo, como se fosse a pessoa mais interessante da face da Terra. E ela obviamente não era.
- Tudo. - sorriu amarelo, vendo como se arqueou uma delicada sobrancelha dela. O som de notificação interrompeu qualquer tentativa que pudesse vir a fazer de pôr em dúvida sua fala, sua atenção se desviando para o objeto. Assistiu-a desbloquear a tela, cogitando desviar o olhar ao sentir-se violando a privacidade alheia, mas a curiosidade falou mais alto. O texto era curto e estava escrito em inglês, mas conseguiu lê-lo completamente antes que ela digitasse uma resposta rápida e guardasse o aparelho, deslizando-o de volta para seu bolso. Seu cérebro preguiçoso forneceu-lhe uma tradução com algum atraso, mas soube imediatamente que podia confiar nela.
Vou voltar para casa hoje.
Encontrei uma coisa.- Vamos? Nossa seção já vai começar. - sorriu, meneando a cabeça brevemente na direção da porta. Piscou uma vez, avaliando se era tarde demais para sair correndo e se esconder debaixo de sua cama. Sim, era. E foi com esse pensamento que Seulgi assentiu uma vez, seguindo Irene até a sala de cinema.
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Angels - Seulrene
Fanfiction"Há mais coisas entre céus e terra do que os olhos humanos podem ver." Quando dois mundos ameaçam entrar num conflito sangrento e absurdamente desigual para um dos lados, o mais frágil, e a ameaça de uma tragédia em proporções absurdas surge no hori...