06:04 - A torre e o peão

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[Sábado, 18 de fevereiro.]

Irene não tinha medo de altura. 

Ao menos, era isso que repetia para si mesma enquanto ganhavam cada vez mais altura. 

Sendo bem curta e grossa, tal temor soaria para lá de ridículo, principalmente considerando quem era. Durante a vida, habituara-se a percorrer grandes distâncias na vertical, testando os limites de seu corpo e asas, sempre se desafiando a quebrar os próprios recordes e depois os dos amigos e colegas mais próximos. Comparado à altitude que podia alcançar, o ponto máximo que aquele trajeto os levaria tornava-se praticamente nada. No entanto, a cada vez que o vento tocava a caixa de metal e a fazia chacoalhar, seu estômago dava uma cambalhota.

O fato passou completamente despercebido na primeira ocorrência. A natureza do que estava acontecendo com seu corpo também foi ignorada em segunda ocasião. A terceira onda de vertigem foi um pouco mais violenta, abrindo finalmente seus olhos para aquilo que a acometia. E pensar que ela, dentre todas as pessoas do mundo, seria acometida por algo tão estúpido. Trincou os dentes, agarrando-se com mais força à barra de ferro em que vinha se apoiando desde o início daquela subida, reconhecendo pela primeira que o fazia por real necessidade e não apenas para imitar a postura dos mortais que a cercavam.

Os turistas do outro lado do curto espaço permaneceram como estavam, absurdamente focados na vista da cidade aos poucos se acendendo para mais uma noite, câmeras e celulares apontados como armas de flashes registrando a mudança no céu, os tons claros e rosados cedendo espaço para um azul cada vez mais escuro; tagarelavam em um coreano terrível, enchendo de perguntas e mais perguntas o guia que os acompanhara até ali, mal percebendo a expressão de cansaço e irritação que ganhava forma no rosto do homem, as sobrancelhas curvadas e um pequeno v surgindo entre seus olhos, a boca cerrada com um pouco mais de força do que o considerado normal, os pequenos suspiros entre uma reposta e outra. Não muito diferente das demais pessoas ao redor, todos entediados e horrorizados pelas reações exageradas, incapazes de sentir o mesmo fascínio dos forasteiros pela edificação diante deles.

Ao seu ver, depois de tantas visitas e tantos anos de convivência, a torre tornava-se tão especial quanto qualquer outra construção da cidade.

Sua mudança de atitude não foi notada, ou ao menos não teria sido, se a pessoa que ocupava o espaço imediatamente ao seu lado não estivesse atenta às suas menores expressões e movimentos. Embora não a encarasse diretamente, Irene estava certa de que Wooyoung ainda a vigiava, mesmo que não houvessem motivos para isso. Talvez "vigiar" não fosse o termo mais adequado, mas ela definitivamente sentia seu olhar pesando sobre seus ombros desde o momento em que ambos deixaram o prédio de três andares, determinados a verificar os endereços mencionados nos autos de Jongin. Captara-o rapidamente pelos cantos dos olhos, obtendo apenas vislumbres da curiosidade que ainda pairava sobre sua face antes que ele virasse o rosto, os dedos batucando de leve o volante enquanto dirigia pelas ruas e avenidas de Seoul.

Quando Wooyoung disse que retornaria com um carro, ela se preocupou com os métodos que ele utilizaria para fazer a promessa implícita em sua curta fala. 

Não era como se não tivesse motivos para desconfiar. Ela tinha, principalmente depois de vê-lo desativar seu sistema de segurança em tão poucos segundos. Ainda assim, obrigou-se a desviar o foco dessa questão, preenchendo sua mente com os preparativos. Apostou suas poucas moedas que Hermes entendia a gravidade da situação e, como ela própria, não se arriscaria expô-los ainda mais.

No instante em que viu o veículo estacionado na calçada do prédio, Irene soube que tinha cometido um erro.

O AudiR8 parecia rir da sua ingenuidade, com sua pintura azul petróleo e a riqueza de detalhes no interior sugerindo que não se tratava de um simples exemplar de uma locadora qualquer. 

Angels - SeulreneOnde histórias criam vida. Descubra agora