05:02 - Silêncio

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[Noite de sexta-feira, 20 de janeiro (Urano). Segunda-feira, 23 de janeiro (Terra).]

- Aceita uma xícara de café, senhorita Bae?

O sussurro manso puxou Joohyun da bolha em que havia se metido, inconscientemente, diretamente para a realidade. Piscou uma vez, seus olhos se ajustando à claridade e focando na figura posicionada logo à sua frente. Nenhuma palavra escapou por seus lábios, nem mesmo um murmúrio. Tudo que obteve em troca foi um acenar fraco de cabeça, numa negativa que foi prontamente aceita por ele. Era a resposta que esperava, exatamente a que queria. Sua atenção permaneceu sobre si um único instante à mais, antes que a desviasse.

Joohyun não poderia agradecer menos. As olheiras, embora não lhe parecessem mais tão escuras, ainda eram assustadoras.

- Espero que o meu pequeno surto não a tenha deixado desconfortável. - murmurou, no que pode ter sido todo um minuto depois. Traçou uma linha irregular pela madeira da mesa, seus dedos indo do bule que acabara que largar, ao açucareiro. Removeu-lhe a tampa num movimento sutil e ágil, o disco de vidro retinindo quando pousado sobre a superfície dura. Os lábios da Bae se curvaram levemente para cima, num sorrisinho que não tinha certeza se poderia manter. Pequeno surto. Se era assim que ele queria definir os quase dez minutos de riso compulsivo, ela não iria impedi-lo, ainda que seu córtex cerebral praticamente explodisse enquanto formulava, em vão, explicações para aquele tipo de comportamento. A julgar pela quantidade quase transbordante de café na xícara que ele mantinha entre os dedos da mão esquerda, poderia dizer que estava quase perto de um parecer. Quase. - Não era a minha intenção. - a última parte quase não foi audível. Ele pareceu escolher justamente aquele instante, para deixar cair um pequeno torrão de açúcar que trazia entre o indicador e o polegar. O cubo atingiu a superfície da xícara, dançou pela borda e caiu, mergulhando no café. Glub. O líquido se movimentou, o recipiente se contorcendo em uma agonia muda e imóvel enquanto tentava abrigar o convidado inesperado.

- Eu imaginei que não. - soou mais ressentida do que aquilo que pretendia, mas não conseguiu se arrepender por isso. Tampouco ele pareceu afetado. Os dedos finos agarraram mais um torrão, não demorando a vertê-lo dentro da xícara. E na sequência, mais um. E outro. E outro. Glub. Glub. Glub. Glub. Uma sinfonia tão estranha e desconfortável quanto a risada dele, minutos atrás. A imagem ainda estava vívida em sua mente - o rapaz ao chão, contorcendo-se enquanto ria, sufocado pela falta de oxigênio, os olhos mórbidos fixos nela, loucos e sedentos. Assustador. O último adjetivo que atribuiria a ele agora. Sentado sobre uma cadeira giratória, braços e pernas encolhidas sobre o assento, a cabeça baixa junto ao peito e os olhos fixos na pilha de açúcar que formava em sua xícara de café, pálido, pequeno e aparentemente indefeso.

Não.

Olhando agora, Yuta não parecia nem um pouco perturbador.

Não se surpreendera tanto, ao constatar que não o reconhecera logo de cara. Ele raramente aparecia em público, como bem diziam os boatos a respeito de seu comportamento frio e estranho, que afastava mesmo os mais resistentes e determinados: uma máscara perfeitamente montada. Cada mísero aspecto, preso em seu devido lugar, como adereços ao personagem que ele construíra para si e que representava. Diretor geral do Magnum. Herdeiro legítimo de Atena.

Yuta não parecia perturbador. Exceto quando fixava os olhos sobre alguém, como voltou a fazer naquele instante - a bebida arruinada esquecida, sua atenção mais uma vez totalmente da legionária. Estudou-a, um brilho fraco acendendo sob suas pálpebras evidentemente cansadas. Quando ele falou, seu tom mais uma vez arrastado e fraco, Joohyun se perguntou quantas noites um imortal precisava passar em claro para se debilitar assim.

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