[Sábado, 04 de março.]
Os olhos de Seulgi abriram-se para a luz, naquele dia. Primeiro literal, e depois liricamente.
Como já tinha se tornado costume, ela havia deixado uma brecha em sua janela. Por ela, um feixe de luz muito familiar serpenteava, traçando seu caminho dourado até sua cama. Foi a primeira vez que ela pensou que podia sentir algo por uma coisa que nem mesmo era uma coisa.
Afinal, quem sentia raiva de um bocadinho de luz?
Era sábado. Podia sentir em seus ossos, no ar que respirava, até nesse raio teimoso de sol. Algo sobre os finais de semana terem uma atmosfera diferente do restante dos dias, e mais: uma sensação que começava na pontinha de seus pés e subia até o fim do mais comprido dos seus fios escuros. E as pontadas, propriamente ditas.
Ressaca, reconheceu imediatamente. Então, seu cenho iluminado se franziu. Não deveria estar de ressaca. Mal tinha bebido. O que havia no copo de Irene, afinal?
Com a pergunta ainda em mente, e a mente latejando, moveu-se. O roçar dos lençóis contra sua pele nua a lembrou de um evento curioso da madrugada que passara.
Seulgi não tinha o costume de dormir sem roupas, nem mesmo no pior de seus porres, e, se dependesse dela mesma, passaria a vida sem conhecer isso. Mas a madrugada passada colocara um fim nisso. Um banho. Foi tudo em que conseguiu gastar o pouco de energia que reuniu, depois de finalmente deixar o jardim. Apoiando as costas no tronco da árvore, sentindo seus joelhos trêmulos e a cabeça pesada, nos primeiros indícios do que viria a seguir, ela se arrastou para dentro da casa. Horas (tinha a impressão de que tinham sido horas, não apenas minutos) atrás, fizera seus ouvidos ignorarem o tropel de passos dentro do sobrado. Houve questionamentos, em um tom alto o bastante para ela ouvir. Então Seokjin estava na janela, com a sombra estranha ao seu lado, ambos encarando-a.
Sombras podiam encarar? Não estava convencida de que havia algo que as impedisse.
Esgueirando-se escada acima, agradecia que os pais não se importassem tanto com ela, a ponto de a seguirem ou ficarem ali, esperando respostas. Seulgi não conseguia pensar em nenhuma mentira, e nada tirava de sua cabeça que eles não acreditariam nela, se contasse a verdade. Ela era a filha louca, afinal. A rebelde maluca.
Acolheu o breu, sentindo que era acolhida, em retorno. Tateou a tapeçaria, como se lembrava de fazer quando criança, guiando-se pelos relevos familiares da árvore genealógica de sua família até encontrar a forma salvadora da maçaneta. Deu duas voltas na fechadura e, para sua própria surpresa, achou que não era suficiente.
Empurrar a cômoda para a frente da porta não foi uma tarefa fácil, nem silenciosa. Seu cabelo estava empapado de suor e grudento, quando terminou. Fez um barulho desgraçado, e a barreira estava longe de ser plenamente eficiente. Bastava um pouco a mais de força do outro lado, e sairia do lugar. Mas ela tinha certeza de que o som a despertaria, caso algo... ou alguém... tentasse entrar.
E depois?, perguntou-se, enrolada em suas cobertas, na cama. E depois de acordar, o que eu faço?
Levou o questionamento para o banho e, como não conseguiu se manter acordada por tempo o suficiente para colocar novas peças de roupa, levou-o consigo também para a cama, da qual se levantava, naquele segundo. O piso estava gelado, sob seus pés, mas ocorreu-lhe que talvez ela estivesse muito aquecida. Arrastou-os, um atrás do outro, sem ritmo definido, até o armário. Estava terminando de dar um laço, pouco desajeitado, nos cordões de seus novos shorts (de pijama, vejam só!), quando seu telefone tocou.
Foi lenta demais para controlar sua reação. Não o faria, admitiu a si mesma depois, nem se acontecesse o contrário. Seulgi soube que era incapaz de deixar de pensar em Irene, logo no primeiro toque. Será que é ela?, perguntou-se, as mãos apertando a barra da camiseta que acabava de vestir. Mexa-se, tonta, ou a chamada vai cair!
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Angels - Seulrene
Fanfiction"Há mais coisas entre céus e terra do que os olhos humanos podem ver." Quando dois mundos ameaçam entrar num conflito sangrento e absurdamente desigual para um dos lados, o mais frágil, e a ameaça de uma tragédia em proporções absurdas surge no hori...