[Sábado, 18 de fevereiro]
Dentre todas as coisas que Irene pensou que poderiam acontecer durante sua missão, haviam algumas possibilidades que certamente não passavam por sua mente. Obviamente, os anos passados com Ares e os outros legionários a tinham elevado a um outro nível de pensamento estratégico, que ela sequer poderia ter imaginado ter antes de seu treinamento; formular teorias e encontrar um plano tático eficiente em pouquíssimo tempo muitas vezes era a diferença entre o sucesso e o fracasso de uma expedição, e ela fora ensinada a nunca, jamais, duvidar do potencial negativo dos combates que travava. Se queria estar um passo à frente de seu oponente, ela precisava se imaginar estando vários metros atrás. Antecipar o perigo era a forma mais segura e infalível de salvar sua pele, quando as mesas viravam e a frente em que estava deixava de ser a ofensiva, passando a ser a atacada.
Entretanto, mesmo que ela houvesse imaginado todos os cenários absurdos e insanos se desenvolvendo ao longo de sua tarefa, não tinha a menor dúvida de que não passaria nem perto de supor alguns detalhes. Um exemplo disso? Em nenhum momento, durante todos os seus anos como legionária e anjo, Irene pensou que um deus a procuraria pela manhã. E não, o uso da palavra não continha nenhum eufemismo, nenhuma ironia e nenhum outro sentido... que não fosse o literal.
Na manhã seguinte ao episódio com o íncubo, Hermes bateu à sua porta. Talvez ela devesse levar esse fato como uma comprovação das palavras dele durante a madrugada, uma prova irrefutável de que realmente cumprira aquilo que tinha dito - sua porta havia sido devidamente lacrada, e ninguém exceto a própria Irene poderia adentrar por ela. Isso deveria tê-la feito se sentido segura. Mas ao invés disso, tudo o que pensou enquanto se arrastava na direção da entrada do apartamento e posicionava suas digitais na fechadura, foi no quanto aquela situação era absurda. E extremamente perigosa.
- É bom ver você de novo, Irene. - foi a saudação alegre do loiro, e que veio acompanhada por um sorriso igualmente animado. Encarou-o, parado do outro lado dos batentes, e em algum lugar de sua mente ela imaginou que poderia se deixar contagiar por aquele aparente entusiasmo... se já não estivesse tão profundamente afetada por todos os eventos recentes. Depois que Hermes partira, Irene não foi capaz de retornar ao sono de que desfrutava antes; boa parte da responsabilidade pela noite insone poderia ser atribuída a ela mesma, que não se atreveu sequer a retornar para o quarto. Sentia-se cansada quando chegou ao apartamento naquela noite, e não pensara duas vezes antes de se aconchegar em sua cama e dirigir-se pacificamente até a inconsciência; no entanto, depois de tudo o que acontecera, ela praticamente não sentia mais a sonolência em seu corpo. Ocupou sua mente nas horas seguintes com a limpeza e reorganização de todo o espaço, começando pela sala, que de longe era o cômodo mais destruído.
Encontrou uma vassoura, panos limpos e demais utensílios necessários em um pequeno armário anexado à dispensa da cozinha, e não mais do que alguns minutos depois deu início à seção. Reuniu todos os pedaços de vidro em uma sacola de lixo, separando uma outra para os pedaços de tecido e a espuma que se vazara de algumas almofadas durante o ataque, encaminhando tudo para o descarte. Deixou a parede por último, porque não conseguia olhar para ela sem se recordar de que instantes antes o demônio havia sido encurralado ali. Não haviam manchas de sangue ou vestígios da sombra líquida em sua a criatura se dissolvera e da qual fizera uso para escapar, mas ainda assim dedicou uns bons minutos a escovar e limpar toda a superfície. Como se isso fosse lavar para longe também toda a sua aflição.
Irene não tinha medo do escuro, mas achou por bem deixar todas as luzes acesas, quando terminou sua faxina. Sentou-se na ponta intacta do sofá, voltada para a janela por onde o íncubo invadira seu apartamento, puxando para o colo a base do abajur, uma arma improvisada mas que se provara verdadeiramente útil. E então ela esperou o sol nascer.
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Angels - Seulrene
Fanfic"Há mais coisas entre céus e terra do que os olhos humanos podem ver." Quando dois mundos ameaçam entrar num conflito sangrento e absurdamente desigual para um dos lados, o mais frágil, e a ameaça de uma tragédia em proporções absurdas surge no hori...