Intro: Parte 6

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Seulgi se movia como um zumbi pelos cômodos da casa, mas nisso não havia nada de novo. Ela continuava indo e vindo até ter certeza de que acabaria cavando uma trincheira se continuasse. A má notícia era que não conseguia se impedir de continuar perambulando.

O grande dia estava chegando. Menos de vinte e quatro horas a separavam de seu tão aguardado final de semana livre de sua família, de seu trabalho e do restante do mundo.

Se antes Seulgi estava tranquila, porque tinha todos os dias até a sexta para se preparar mentalmente, agora ela temia que o sábado e o domingo se tornassem um completo desastre.

Em um acesso de loucura, coragem ou simplesmente sem vergonhice, ela tinha dado ouvidos à ideia descabida de Amber. E naquele preciso segundo, Irene estava a caminho.

Vindo para sua casa.

— Como isso foi acontecer? — gemeu, encarando as molduras da parede do corredor. Ela podia imaginar o rosto enrugado de sua avó ficando ainda mais franzido, com um sorriso maldoso.

Ah, quer dizer que você está arrependida? — A velha senhora perguntaria, se estivesse ali.

Não... — seria a sua resposta. — Eu só não consigo entender... Como eu fui fazer uma coisa dessas?

Muito bem, muito bem... — E nesse momento a vovó Kang faria uma pausa em seu bordado, assumiria uma postura imponente em sua velha cadeira de balanço e diria: — Ouça bem. A vovó vai te contar uma história...

"Era uma vez..."

A fatídica noite em que Kang Seulgi concordou em acompanhar Park Sooyoung em uma importantíssima celebração em sua igreja.

Deveria ter sido mais uma tediosa noite de domingo. Normalmente, a oportunidade dos sonhos de Seulgi de colocar sua série da vez em dia (ou pelo menos, tentar). Mas, no lugar de um pijama largo e confortável, ela se enfiou dentro de um conjunto de calça e blusa social, passou um blazer pelos braços e fez careta para suas, agora, desaposentadas, sapatilhas. Ah, e todas essas peças eram pretas.

Ela poderia muito bem estar indo a um velório, com aquele visual.

Uma premonição e tanto. — Riria a vovó Kang. E depois, continuaria a história...

Seulgi meio que esperava explodir em chamas, no momento em que cruzou a soleira da igreja, mas isso não aconteceu. Ela intensificou seu aperto ao redor do braço de Sooyoung, como se, no toque, pudesse se assegurar de que não estava sonhando.

Aquele lugar poderia ter saído de ambos: um pesadelo psicodélico, ou o sonho de arquitetura neogótica de seus dias de aspirante à arquiteta. Com suas janelas em arcos, o teto alto e as velas semi derretidas pendendo de castiçais de ferro e lustres cheios de espelhos, a igreja estava mais perto do que ela descreveria como sendo um castelo assombrado, do que um antro religioso. Mas o que ela entendia de religiões, não é mesmo?

A massa humana ali dentro ajudava a compor o cenário. Todos, sem exceção, vestiam versões mais ou menos elaboradas de sua roupa de enterro. Mas havia um pequeno grupo que era um show à parte.

Do alto do púlpito, Yook Sungjae parecia tão confortável em falar quanto Seulgi teria se sentido em se virar e correr.

Mas ela não podia fazer isso. Não ainda. Tinha prometido à amiga que ficaria, pelo menos, até a metade da cerimônia. Meia hora havia se passado, e não havia um único indício no ar de quando poderia chegar esse momento. O que poderia dizer, em sua defesa, é que a coisa como um todo tinha passado do limite da sua tolerância.

Como alguém que acreditava piamente que a caça às bruxas tinha se encerrado mais de dois séculos antes, Seulgi pensou que estava ouvindo uma piada. Ela se voltou minimamente para Joy, assustando-se com a seriedade e a concentração de seu semblante. Ao redor delas, os presentes tinham expressões semelhantes, todas carregadas de paixão, e de uma tensão que a fazia se sentir como o personagem de um filme de guerra que puxa o pino de uma granada, e de repente se vê impossibilitado de atirá-la.

— Ele está falando sério? — sussurrou, por muito pouco não atraindo a atenção da amiga. A Park piscou um par de vezes, e ficou claro que ela não tinha ouvido, ou, se tinha, não compreendia. — Caçar demônios... Ele está falando sério?

As sobrancelhas de Joy se curvaram, sua boca se tornando uma linha apertada.

— Sim. Ele está falando muito, muito sério.

— Demônios? — Seulgi repetiu, a voz só um pouco estrangulada.

Sooyoung apertou o encosto de madeira do banco da frente, os nós dos dedos proeminentes, sob as delicadas luvas de renda preta.

Ela era a jovem viúva mais bonita que Seulgi já tinha visto, com seu cabelo vermelho-fogo e o rosto grave. Mesmo que seu namorado estivesse bem ali, de pé, diante delas.

— Você não acredita, não é?

A palavra veio aos seus lábios de forma automática.

— Não. — E então ela se lembrou da sombra na cozinha, da sombra na janela de seu irmão. Das outras coisas estranhas que tinha visto e ouvido. — Bem, sim... e não. É complicado. — Não parecia suficiente. — Não é que eu não acredite na existência do mal. Só não acho que ele seja... assim.

Seulgi fez um gesto, indicando a tapeçaria que pendia às costas de Sungjae. Ela desviou o olhar da figura bestial ali retratada, e não voltou a encará-la, temendo que, se o fizesse, encontraria aqueles olhos dourados fixos nela.

— Até porque... — continuou, tão baixo que a amiga provavelmente não chegou a escutar. — Não acredito que algum de nós poderia ver o diabo em pessoa, e sobreviver para contar a história...

Angels - SeulreneOnde histórias criam vida. Descubra agora