07:01 - O estranho no ponto de ônibus

506 62 34
                                    

[Madrugada de domingo, 12 de fevereiro. 02:49]

A grande vantagem de se estar no centro, era que os endereços eram razoavelmente próximos. E o mesmo valia para instalações públicas, como o eram as paradas e estações do transporte coletivo. Underworld, particularmente, estava muito bem localizada. Saindo de um ponto no centro de duas avenidas importantes, tanto esquerda quanto direita eram caminhos favoráveis. Tudo dependia de para onde se estava indo.

Nesse aspecto, Seulgi não estava tão confiante. Para dizer a verdade, sentia-se perdida. Tinha os pés bem firmes no chão, mas sua mente flutuava.

Os arranhões no braço ardiam, e ela precisava se lembrar de cinco em cinco segundos que não devia tocar os ferimentos. Tinha assistido episódios de séries médicas o bastante para saber que mesmo um machucado insignificante poderia originar uma infecção, e desatar em outras consequências sérias, se fosse tratado de maneira incorreta. Mesmo que seus cortes fossem superficiais, como dizia sua mãe, era mil vezes mais fácil prevenir do que remediar.

Para coroar a sequência de desastres, ainda tinha a garganta seca. Desejou que tivesse uma garrafa d'água consigo. Se a tivesse, poderia pegar dois coelhos com uma cajadada só. Mataria a sede, e de quebra poderia dar um jeito no braço.

Um fino filete de sangue escorria por sua pele, manchando-a. Imaginou o que o motorista do ônibus pensaria, quando a visse entrar, naquele estado. Meio ensanguentada, com o cabelo despenteado e os olhos irrequietos. Era bem provável que se recusasse a transportá-la e acabasse pedindo que se retirasse.

Na situação que se encontrava, era provável que ela sequer discutisse, como o faria normalmente.

Não vinha conseguindo manter o foco sobre qualquer coisa, desde o esbarrão. Sua atenção ia e vinha, e nos instantes entre isso, divagava. Amaldiçoou-se uma vez mais por ter bebido, saltando para a calçada quando o sinal para pedestres fechou. Desequilibrou-se um pouco, e ficou ali, balançando os braços como um bebê passarinho descoordenado durante sua primeira aula de voo. Quando o mundo parou de girar, recomeçou sua caminhada.

Estava agora bem perto de seu destino. Logo à sua frente, a cabine de vidro da parada brilhava com suas lâmpadas brancas e também com as luzes que vinham da rua, dos faróis dos carros que passavam de quando em quando. Apesar de toda a iluminação, teve a impressão de que havia qualquer coisa de sombria na área ao redor da estrutura.

Sim, as luzes estavam ali, mas a forma com que elas se comportavam era estranha.

Um edifício próximo lançava sombras sobre a calçada, sombras que não eram afetadas pela claridade que vinha do toldo de vidro. Era estranho, e bizarro. E podia ser que estivesse imaginando a coisa toda.

Agora que a adrenalina se dissipava em seu sistema, tudo parecia mais lento. Os poucos metros que a separavam do ponto de ônibus pareceram quilômetros. Quanto mais caminhava em sua direção, mais longe se sentia. Ficou aliviada quando, estendendo a mão, pôde tocar a lateral da estrutura, fria e um pouco pegajosa da umidade típica da noite.

Deu-lhe a volta, entrando sob o vão formado pelas três paredes. Levou um susto, ao constatar que não estava sozinha.

Havia um homem ali. Alto, musculoso, o típico estereótipo do cara do time de futebol pelo qual todas as meninas são apaixonadas, nos filmes americanos. Ele percebeu sua presença, antes que Seulgi pudesse ter certeza de que estava vendo corretamente.

— Boa noite - cumprimentou-a, num tom afetuoso demais para uma pessoa desconhecida. Não encontrou sua voz para dizer algo em retorno, limitando sua resposta a uma reverência suave, quase imperceptível. Suas vistas ficaram turvas, com grandes pontos negros dançando diante de seus olhos. Agradeceu, em seu âmago, por ainda estar segurando a lateral da estrutura. Do contrário, poderia ter bancado a jaca madura e protagonizado mais uma queda épica.

Angels - SeulreneOnde histórias criam vida. Descubra agora