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[Domingo, 05 de março.]
Kang Seokjin encarou seu reflexo no espelho, os olhos arregalados.
Suava frio. Uma gota gelada acabava de se desprender de seu pescoço, o rastro úmido, beijado pela brisa fria que soprava através da brecha aberta na janela, causou um arrepio que abalou seus membros.
O quarto estava mergulhado em penumbra, à exceção dessa pequena luz negra sobre o espelho, que permitia que visse seu reflexo. Era quase sempre assim. Ele preferia. Eles preferiam. Aquele pouco de luz era suficiente para a maior parte de suas atividades.
Naquele momento, aquela pontinha de luminosidade era o que lhe garantia que seus olhos não estavam enganados. Havia marcas em seu peito. Duas, grandes, com formatos que não poderiam ser outros, senão os de um par de mãos humanas.
As mãos de sua irmã.
Trêmulos, os dedos de Jin fizeram seu caminho até a borda de uma delas. A pele queimada ardia, mesmo depois de tratada e resfriada, e emitiu um protesto doloroso e sensível diante de sua curiosidade, que o impedia de fazer o que qualquer outra pessoa naquela situação faria — manter as mãos longe.
Jin estava fascinado. Ele via isso, no espelho, nos espasmos irregulares que levaram seus lábios a se curvarem, e se curvarem mais um pouco, e se afastarem num sorriso.
— Isso é incrível... — ouviu, e só depois notou que era ele mesmo quem falava. Sondou as queimaduras, percorrendo as bordas chamuscadas, avançando para o centro, onde a camada mais fina da pele tinha formado bolhas, as restantes ainda um pouco avermelhadas. — Incrível... — repetiu.
A parte mais estranha, e mais maravilhosa, era que aquilo não era novidade. Ele sabia o que encontraria sob suas roupas, muito antes de abrir os olhos naquela manhã. Ele soube, no momento em que Seulgi o empurrou, que algo estava muito certo e muito errado.
Foi uma surpresa. Mesmo que, durante boa parte de sua vida, tivesse esperado e mesmo torcido para que algo semelhante acontecesse, foi uma surpresa. Jin não imaginaria, nem em uma centena de anos, as circunstâncias em que sua irmã finalmente se manifestaria como o que realmente era.
Ele não tinha sequer sonhado em ser o primeiro, na longa lista de pessoas que seriam atingidas pela tempestade que era Seulgi.
O choque o impediu de ir atrás dela. No momento em que suas palmas o empurraram, todo o ar foi expulso do corpo de Seokjin. A dor da queimadura veio um segundo depois, junto com o impacto de suas costas contra a parede. Teve apenas a impressão de ouvir o barulho, que agora sabia ter acordado o restante da casa. Trinta e oito segundos depois, quando Junsu desceu as escadas vestindo apenas um samba-canção ridículo e meias que não combinavam, brandindo um taco de beisebol e exigindo, aos berros, saber que diabos estava acontecendo, Jin ainda estava paralisado.
Felizmente, reagiu a tempo de evitar que a situação se tornasse pior. Inventou uma desculpa, alguma coisa que misturava verdade e suaves mentiras, com sua irmã mais nova maluca discutindo com ele e fugindo para os fundos da casa e ele desconhecendo a razão de sua explosão de raiva. Não se preocupou em gravar os detalhes da história. Seu "pai" não se importava o mínimo necessário para perguntar pela mesma coisa duas vezes.
Jin ficou em silêncio, enquanto Junsu resmungava suas obscenidades e ofensas costumeiras, tendo o cuidado de assentir de quando em quando, muito embora não estivesse ouvindo uma palavra sequer. Yangmi, que vinha logo atrás, aproximou-se da porta, os cabelos escuros cuidadosamente ajustados sob uma touca de dormir com babados de renda, um robe rosa-claro apertado com firmeza ao redor do corpo magro.
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Angels - Seulrene
Fanfiction"Há mais coisas entre céus e terra do que os olhos humanos podem ver." Quando dois mundos ameaçam entrar num conflito sangrento e absurdamente desigual para um dos lados, o mais frágil, e a ameaça de uma tragédia em proporções absurdas surge no hori...