07:03 - O chamado

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[Tarde de quarta-feira, 15 de fevereiro.]

Se em algum momento Seulgi pensou que seria deixada em paz, apenas porque seu dia subitamente sofrera uma guinada brusca no curso normal, então ela estava redondamente enganada. Tudo bem que o convite para o café burguês havia sido inesperado, e que reencontrar a mulher misteriosa tinha sido um evento e tanto - para não falar do momento em que a mesma partira, sem mais nem menos, deixando sobre a mesa de frio mármore um guardanapo grifado em sua elegante caligrafia com um número de telefone. "Para mantermos contato", ela dissera.

Torrou uma bela parte de seus neurônios para descobrir o que aquela frase significava, e não estava sequer perto de uma resposta plausível. O que lhe vinha à mente era o óbvio significado, o literal, aquele que os termos tinham quando extraídos diretamente de um dicionário... e isso não parecia ser o suficiente para deixá-la satisfeita, a contar do instante em que não fornecia explicações para a pergunta que vinha em seguida. Por quê? Por que ela iria querer manter contato? Não sabia e a ignorância a estava matando.

Sooyoung ficara tão surpresa quanto, com a atitude de sua dada modelo de trabalho acadêmico. Tinha encarado o pedaço de papel por um tempo quase suficiente para memorizar seu conteúdo, e então se deixara cair de maneira desleixada contra o encosto da cadeira, murmurando algo que não conseguiu compreender. Sua mente estava longe, mais longe do que de costume quando se desprendia da realidade por coisa pouca. Os últimos cubos de café derretiam lentamente em seu copo, mas ela sequer conseguia recordar-se da bebida, tamanha a sua concentração em obter uma retórica para as questões que caçavam por seus pensamentos. Fazia muito tempo, desde a última vez em que algo tinha despertado-lhe tamanha concentração, e agora simplesmente não sabia como conciliar as dezenas de vozes - sua própria voz, dividia em várias facetas - que sussurravam pelos cantos de sua mente.

Veja bem, Seulgi tinha uma vida tipicamente tediosa. Acordava no limite do tempo de se preparar para o trabalho, pegava a primeira peça de roupa que via pelo caminho até o banheiro e se vestia com a velocidade de quem sabia que chegaria atrasada se não o fizesse - e muitas das vezes assim aconteceu, mesmo tendo se desdobrado para bater seu ponto no instante certo. Terminar o ensino médio tinha sido sua grande façanha no século, e nem mesmo das profundezas de seu ser sentia vontade de enfrentar provas e professores novamente, não existindo portanto em si nenhum desejo de uma faculdade ou coisa do tipo; enfrentava suas longas horas de trabalho com sádica satisfação, agradecendo aos céus que a longa jornada permitisse minimizar seu contato com a família, se virando como podia para que seus ganhos minúsculos fossem aproveitados da melhor maneira, a cada mês.

Não tinha muitas peças de roupa em seu armário, e nenhum dos objetos de desejo dos jovens de sua idade lhe despertava interesse. Quase não ia a festas e mantinha poucas amizades, o que talvez justificasse a questão das comemorações. Não gostava de se expor mais do que o necessário, valorizando seu anonimato na sociedade quase tanto quanto a própria existência. Não se achava bonita e tampouco pensava em fazer algo a respeito, pelo simples fato de não encontrar motivação para tal. Passava seu tempo livre trancada dentro do quarto, jogada na cama de um jeito que não tardaria a ser prejudicial para sua coluna, com os fones nos ouvidos e alguma música indie desconhecida no volume mais baixo.

E a despeito do fato de ser absolutamente estranha, não enxergava nenhuma justificativa para que alguém a considerasse interessante. A menos que desejasse material para um estudo psiquiátrico, não fazia sentido que uma pessoa como Irene estabelecesse um meio de "manterem contato"; e pelo que vira dela, de sua postura e pelas poucas frades que deixaram sua boca, ela não era médica e muito menos pesquisadora. Então que diabos ela poderia estar querendo consigo, a ponto de deixar seu número de telefone?

- Eu não sei não, mas se continuar olhando com essa cara pra mim, vou começar a pensar que tem algo errado com você. - a frase absolutamente fora de contexto proferida pelos lábios de Sooyoung a tirou completamente dos eixos. Piscou uma vez, duas, tentando loucamente ajustar não só a visão mas todos os sentidos, numa esperança insana de que as palavras se tomassem mais claras. Como previsto, não funcionou. A ruiva permaneceu estática, encarando-a sobre a borda de uma das folhas de seu caderno de desenhos por um instante, para depois voltar sua atenção para o que fazia antes. - Emocionada...

Angels - SeulreneOnde histórias criam vida. Descubra agora