08:01 - Ressaca e outras coisas que vêm pela manhã

452 60 39
                                    

[Madrugada de domingo, 12 de fevereiro.]

Já passava das quatro da manhã, quando desembarcou na parada próxima à sua casa.

A despeito das luzes que brilhavam nos postes públicos, a rua estava um breu, como se alguém houvesse coberto toda a quadra com uma pesada manta de noite. No céu, estrelas piscavam, surgindo e desaparecendo misticamente enquanto seus passos a conduziam pelas calçadas.

Não haviam sinais de movimentação nas casas, o que era esperado. Era preciso ser muito louco, ou estar muito bêbado para estar acordado àquela hora. Seulgi era ambos, louca e bêbada.

Na meia hora que passou, embalada até quase o ponto de pegar no sono pelos ruídos mecânicos que vinham do motor do ônibus e do atrito das rodas contra o asfalto, as taças de gin e os Martinis fizeram sua mágica. Se antes não sentia os efeitos da bebedeira, agora não podia dizer o mesmo.

Perderia a conta de quantas vezes tropeçou, nos próximos pés e no meio fio, logo nos primeiros metros de caminhada. Isso, antes que desistisse de tentar correr. Não havia ninguém ali, além dela. Não tinha porque se apressar tanto.

Assim, levando o dobro do tempo normal para dar um mísero passo, ela se arrastou rua acima. Os miados de um gato romperam a noite, seguidos pelo ladrar de cães. Ergueu ambas as mãos, a fim de ajeitar os fios revoltos de seu cabelo. Silvou, quando a movimentação brusca fez se abrirem os machucados em seu antebraço. Novas e igualmente pequeninas gotas de sangue rolaram por entre seus dedos.

Se os tempos fossem outros, teria se preocupado que a mãe visse que tinha se machucado.

Muitas eram as lembranças de sua infância, nas quais sua mãe a alertava quanto à ferimentos causados por imprudência ou falta de cuidado. Não seria algo de se notar, uma vez que todas as mães tinham a mesma conversa com seus filhos, em algum momento de suas vidas. Mas a preocupação de Yangmi ia além da possibilidade de quebrar um braço ou uma perna, e seu pânico não era todo pelas marcas roxas de quedas e esbarrões. O que ela realmente temia era a perda de sangue.

- Você é diferente das outras crianças, querida - lembrava-se de ouvi-la dizer. Lembrava-se, também, daquela ocasião. Tinha desobedecido sua ordem de não brincar com as crianças maiores, na escola, recebendo como resultado um arranhão meio profundo no joelho.

A Seulgi de cinco anos de idade fez um bico, resmungando quando a mãe aplicou algum tipo de remédio sobre o machucado. Ardia, e tinha um cheiro ruim, mas dizia ela que ajudaria a cicatrizar. Não tinha certeza se sabia o que essa palavra significava, bem como todo aquele papo sobre ser diferente.

Oras! Ela era igual!

Sua amiga Joy também tinha ralado o joelho uma vez, igualzinho a ela, e desatado num choro terrível. Seulgi não chorou quando caiu, mas o sangue que saiu de seu joelho tinha a mesma cor do sangue da Park. Como poderiam, então, serem diferentes?

- Não é uma coisa que a gente vê, assim, tão fácil - explicou a mãe, quando expôs a ela a sua dúvida. Tinha os olhos e as mãos ocupadas, fazendo um curativo em sua perna machucada. - Quando você era menorzinha, bebê ainda, um médico tirou um pouquinho do seu sangue pra fazer um exame. E no exame ele viu que você era diferente, que o seu sangue era diferente.

- Diferente? Diferente, como? - perguntou, curiosa. Yangmi estava de costas, então Seulgi não pôde ver seu rosto. Apenas ouviu sua voz, e lembrar-se dela, mais de uma década depois, ainda lhe dava arrepios.

- Diferente, Seul... especial. E muito raro, assim como você.

Sangue dourado. Durante muito tempo, esses dois termos, lado a lado, não fizeram nenhum sentido em sua cabeça. Passaram-se anos até que Seulgi pudesse compreender o que aquilo de fato era.

Angels - SeulreneOnde histórias criam vida. Descubra agora