11:02 - Olhos que veem no escuro

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[Manhã de domingo, 12 de fevereiro. 07:36]

Os primeiros raios do sol iam surgindo no horizonte, mas Irene não notou.

Uma bomba de hidrogênio poderia ter caído sobre sua cabeça naquele exato momento, e ela não perceberia. Sua mente estava longe, muito além do horizonte que se pintava de um tom cada vez mais claro de cor de rosa, o manto negro de Nix se afastando em um espectro de violeta, até que o azul tomasse conta de tudo. Não sentira frio madrugada adentro, e agradecia silenciosa e inconscientemente por seu novo corpo não protestar. Ela queria sumir. Cavar um buraco na terra que fosse grande o bastante para acolhê-la e esconder sua face vergonhosa do resto dos organismos vivos - fossem eles mortais ou não.

Tinha permanecido na mesma posição desde que desabara, e seus joelhos já haviam ficado doloridos, queimaram em dor e agora estavam dormentes, como se alguém houvesse lhe aplicado anestesia. Anestesiada, era assim que se sentia. Dias depois, se perguntaria se as pessoas que passaram ao redor a olharam estranho, se lhes causou curiosidade o estado deplorável em que passou o resto da noite; deveria ter parecido ao menos um pouco bizarro, uma mulher tão bem vestida, largada ao chão como um trapo velho, a face transtornada e os olhos perdidos no nada. Consternador também seria um bom termo para descrever o conjunto como um todo. Mas ela não estava preocupada com aquilo, não estava preocupada consigo mesma, tampouco com o que os mortais que passavam poderiam pensar sobre seu estado de choque. Sua mente girava em um único pensamento, uma única palavra, um único nome.

Kai.

Como aquilo tinha acontecido? Como pudera acontecer? Estavam numa missão oficial, a mando do Olimpo, sob a égide dos deuses. De onde poderia tirar explicações plausíveis para o que estava acontecendo? Se é que havia alguma coisa que pudesse justificar... engolia em seco sempre que pensava na palavra, sua consciência automaticamente entrando em negação, recomeçando o processo de buscar por respostas, mas sempre voltando para a mesma conclusão. Concluiu, por fim, que estava alucinado. A improbabilidade daquele momento a estava fazendo delirar, convenceu-se.

O sol já estava quase nascendo quando se moveu pela primeira vez em horas. Sentou-se melhor, puxando os joelhos contra o peito e pousando a testa sobre os mesmos, as costas apoiadas na parede de um dos bares da rua onde tinha entrado naquele mesmo dia, ainda que lhe parecesse um evento de outra dimensão. Sentia-se tonta, como se a gravidade e a rotação do planeta lhe atingissem na intensidade e na potência de uma centrífuga. Dedicou longos momentos ao processo cuidadoso de respirar, buscando do fundo de suas memórias as lições sobre controle dos batimentos cardíacos, conseguindo desacelerar sua frequência até fazer os músculos pararem - não por muito tempo, no entanto; tratou de fazê-los voltarem à configuração habitual pouco depois, recordando-se de sua meia ignorância quanto ao seu novo corpo. Lembrava-se bem de terem dito que poderia entrar em coma, por questões simples como a da oxigenação.

Não precisavam de mais desfalque para aquela missão... não agora... que não fazia ideia de como procurar por Jongin.

Yuta havia simplesmente desaparecido, minutos depois de seu corpo ceder e cair. Seus pensamentos ficaram silenciosos desde então, a descontar sua própria voz, ecoando em questionamentos infindáveis e cada vez mais sombrios, e ela em parte era grata por ele não ter retornado. Não sabia como reagir, provavelmente acabaria dizendo poucas e boas para o garoto e por mais que ele merecesse por sua irresponsabilidade em não garantir a segurança de seu melhor amigo, ela não via como uma série de maldições poderia ajudá-los naquele momento. O que, por sua vez, não queria dizer que não estivesse paralelamente pensando em uma forma de fazê-lo se arrepender para o resto da eternidade, assim que retornasse.

Retornar. A palavra já lhe tinha um gosto amargo no céu da boca, prova viva de que o Destino tinha essas intempestividades; pensando por um lado, havia sido, definitivamente, arrogância sua pensar que a missão já estava concluída, a competição ganha. Mas, por outro lado, como poderia ter pensado em algo como aquilo? Tudo o que tinha querido era que a coisa toda se resolvesse o mais rapidamente possível e com a maior clareza, para que pudessem, eles e o resto do Universo, voltar ao curso normal; jamais poderia pensar que tudo se converteria em um pesadelo, como de fato estava sendo. Parecia que um teto de toneladas desabava sobre sua cabeça, e ela não tinha forças nem o ímpeto de correr para se salvar, ou para levantar-se e impedir que mais gente fosse ferida. Ali estava ela, encolhida contra uma parede úmida e um chão sujo, estática demais para se mover, os olhos ardendo por lágrimas presas e cansaço reprimido à força, a mente dando um nó em busca de uma direção que, ficava cada vez mais ciente, não podia encontrar sozinha.

Angels - SeulreneOnde histórias criam vida. Descubra agora