[Sábado, 11 de fevereiro.]
Entrar na Underworld era mil vezes mais fácil do que sair. Uma vez lá dentro, a sensação que se tinha era que cada centímetro das paredes à prova de som, cada milímetro do piso e cada lâmpada led colorida sussurrava um convite para a permanência eterna. Para alguns, o apelo era tão grande que se tornava irresistível. Antes que se dessem conta, já haviam se tornado clientes frequentes.
Ou, melhor dizendo, os vips. Se por um lado as cortinas de veludo e as pulseiras douradas indicavam as pessoas com melhores condições financeiras, também apontavam descaradamente para aqueles que haviam sido fisgados.
Era como Lalisa Manobam se sentia. Atada àquele lugar, como um peixe preso em um anzol.
A isca era bem simples de ser descrita, e mais ainda de ser aceita. A realização completa dos desejos mais obscuros. Estava no slogan e tudo. Não há nada para se esconder na Underworld. Todos eram bem-vindos, independentemente de seus gostos excêntricos e vontades peculiares. Não importava o quão sujo, degenerado ou imoral você se apresentasse aos olhos da sociedade. Nem o quanto de culpa havia sobre seus ombros. Em Underworld, nada disso importava.
Um belo chamariz, era preciso admitir. Lisa não entendia por que causava surpresa ao público que o estabelecimento fosse tão bem-sucedido. Afinal de contas, quem de nós não possui um segredo obscuro, minimamente perverso?
Do alto de um dos bancos circulares do bar, a loira acompanhava a movimentação das pessoas ao seu redor. Como ela, todos ali tinham dinheiro suficiente para bancar um pequeno país por alguns anos, elevar ao status de podres de ricos os membros de centenas de milhares de famílias. E todos eles buscavam por coisas mais simples, e ao mesmo tempo muito além de qualquer coisa que suas fortunas podiam comprar.
Aceitação.
Essa palavrinha tão curta, essas poucas sílabas, tinham arrastado Lisa de seu país de origem até aquele. Acreditara, em sua loucura e euforia, que poderia resolver o problema que a atormentava em um estalar de dedos, fazendo suas malas e se mudando. Um lugar novo, um novo povo, pessoas que mal a conheciam e que, portanto, não podiam julgá-la. Pareceu-lhe promissor, inteligente até, no momento em que fazia seu check-in no aeroporto, e nas horas em que sobrevoou o mar. Como ela estava errada...
Aprenderia da maneira mais dura que não tinha nada a ver com o país em que morava. Não tinha importância o nível de influência que exercia, ou o ritmo cósmico em que seu dinheiro se multiplicava em sua conta bancária. Tinha a ver com ela. Com quem ela era, e como ela era.
Ambas eram coisas que Lisa não poderia mudar. Porque mexer nelas seria o mesmo que alterar sua essência.
E ela não sabia ser outra pessoa, senão Lalisa Manobam. Daquele jeitinho que tantas pessoas amavam, e tantas outras odiavam.
Se tocou com a mesma velocidade que não era preciso um motivo em específico para que a odiassem. Alguns o faziam por ser uma estrangeira, em uma terra nova. Outras, por ser rica em um planeta que tantos milhares de pessoas morriam de fome. Outros, ainda, porque costumava aquecer sua cama com mulheres. Independentemente de onde se encaixavam, sabia que o remédio para combater a praga que eram seus haters era um só: continuar vivendo exatamente como vivia.
Um dia de cada vez, dizia a si mesma. Uma noite mais inesquecível do que a outra.
Só que aquela noite precisava ser a mais memorável de todas as que já tinha vivido, e aquelas que estaria por viver. Hoje à noite, Lisa estaria um pouco diferentes de todos os outros dias. Hoje, ela estaria ao lado de alguém que amava.
Irônico, não? Ela, que sempre tinha desdenhado do ideal vitoriano do amor, gargalhado de comédias românticas e feito piadas com seus amigos mais próximos quando tocavam no assunto, agora padecia pela mesma razão. Há uma primeira vez para tudo e todos, ouvira dizer. Sendo bem realista, esperava que aquela fosse a sua primeira e última.
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Angels - Seulrene
Fanfic"Há mais coisas entre céus e terra do que os olhos humanos podem ver." Quando dois mundos ameaçam entrar num conflito sangrento e absurdamente desigual para um dos lados, o mais frágil, e a ameaça de uma tragédia em proporções absurdas surge no hori...