01:01 - O maldito despertar

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[Quarta-feira, 08 de fevereiro]

Antes mesmo de colocar os pés para fora de casa, Kang Seulgi sabia que aquele seria um dia horrível.

Para começo de conversa, era quarta-feira. Vulgo, o pior dia da semana. Nem começo, nem fim. O meio. A metade exata do tormento, o olho da tempestade, a origem de todas as catástrofes.

Ou quem sabe ela estivesse apenas sendo pessimista.

Falando a real, Seulgi não esperava mais daquele dia do que de todos os dias que tinha vivido até aqui. Então, talvez e apenas talvez, não fizesse diferença alguma ser segunda, quarta ou sexta, ainda que indiscutivelmente preferisse as sextas.

Foi o som agudo e insistente do despertador foi o que arrancou Seulgi de seu sagrado sono, naquela manhã. Não os berros de sua mãe, que mais tarde descobriria à mesa da cozinha, lutando para dar café da manhã à sua irmãzinha caçula. Não as reclamações de seu pai sobre política ou o clima, ou qualquer outro dos mil e um assuntos que ele odiava. E também não foram as músicas irritantes do seu irmão mais velho, no quarto ao lado.

Apenas o despertador. O maldito despertador que lhe fora dado de presente por sua tia em seu último aniversário. Quem diabos presenteia uma pessoa com um despertador? ela havia se perguntado, ao desfazer o embrulho padrão de balcão loja de departamentos e se deparar com a pequena caixa quadrada, e seu conteúdo intrigante. Seulgi não conseguia pensar em um presente pior, embora com toda a certeza houvesse alguns mais inúteis.

Pelo menos não eram outro par de meias. Ela morreria, se pudesse descobrir em que período da existência da humanidade ficou estabelecido que indivíduos de uma certa idade não têm direito à um presente bacana em seus próprios aniversários. Num ano, você está desembrulhando brinquedos e tickets de parques de diversão e no ano seguinte BUUM! toma aqui o seu despertador.

É claro que existia a possibilidade de haver algum simbolismo, ali. Além de obviamente desejar arrancá-la de seus esparsos sonos, a cada vez que tocava, aquele irritante despertador parecia estar lhe mandando um recado em caixa alta e com vários pontos de exclamação ao final:

"EI, VOCÊ, INÚTIL! LEVANTE-SE DESSA CAMA E VÁ VIVER A SUA VIDA DE MERDA!!!!"

Porque era exatamente para isso que acordava: mais um dia de merda, na sua vida de merda.

Ainda assim, ela tentou postergar seu encontro diário com a realidade. Experimentou colocar uma mão para fora do seu ninho de cobertas, sentindo o frio arrepio das correntes de ar que entravam no cômodo. Ótimo. Para variar, tinha esquecido de fechar as janelas. Veio, então, a parte mais delicada. Devagar, como se cada movimento brusco pudesse ser um atentado à sua integridade física, colocou a cabeça para fora... e se arrependeu.

Uma flecha de luz do sol veio bater diretamente em seu rosto, perturbando seus olhos sensíveis e a deixando cega por um momento. Ergueu o braço para bloqueá-la, mas já era tarde demais. O estrago havia sido feito.

Grunhiu, desistindo total e completamente de fazer aquilo do jeito fácil. Atirou as cobertas para um lado, jogando as pernas para o outro. O despertador ainda tocava, o maldito. Tateou pelos arredores até encontrá-lo. Calou a pequena máquina de berros com um tapa. O silêncio que se seguiu foi rapidamente preenchido com ruídos do exterior. O cortador de grama do vizinho, que mal tinha notado até aqui. Os murmúrios incompreensíveis da televisão na sala de estar, num volume curiosamente baixo, em comparação com o usual. Os passos no andar de baixo, indo e vindo pelos corredores.

O maior problema do despertador era o escândalo que fazia ao tocar. Tentara, por mais vezes do que conseguia conter, diminuir seu volume - e todas essas tentativas foram em vão. O barulho infernal, como uma sirene do corpo de bombeiros, anunciava para toda a casa que ela acordada. Prontinha para ser atormentada.

Angels - SeulreneOnde histórias criam vida. Descubra agora