04:02 - A risada de um serial killer

350 33 45
                                    


[Noite de sexta-feira, 20 de janeiro (Urano). Segunda-feira, 23 de janeiro (Terra).]

- "Que seja dada a largada." - o timbre agudo soou tão forçado, que Joohyun mal precisou olhar para saber o desagrado que tomava conta de Jongin. Limitou-se a suspirar, enquanto mantinha os olhos sobre a série na parede à sua frente. Eram pinturas antigas, podia identificar pelos traçados, as figuras chapadas que a encaravam eram totalmente desprovidas de profundidade; desenhos em 2D, retratando todo tipo de passagem que, como moradora daquele domo, ela já conhecia de cor. A deusa Terra, Gaia, em sua criação, recebendo em seu seio os deuses recém criados e a humanidade pré-moldada, acolhendo ambas as raças com o carinho característico de uma mãe. Os deuses Hélio e Selene, guiando suas carruagens, junto a Apolo e Ártemis, que embora mais novos jamais seriam menos competentes. Os primeiros anjos e arcanjos, as primeiras criaturas míticas vindo à luz, disseminando-se entre os homens, desenvolvendo-se com eles, ambos convivendo em perfeita harmonia e sincronia, até... A próxima pintura representava a queda de Hades, juntamente com aqueles que viriam a ser seus demônios: o submundo, em tons mais escuros, ganhava boa parte do espaço do desenho; a vivacidade dos traços em cada um dos rostos, a clareza das expressões, umas angustiadas, outras raivosas, impressionavam. Ao centro, o deus Hades parecia impassível, o rosto sereno, enquanto ia de encontro a uma queda de nove dias e nove noites, como quem ia fazer compras num shopping.

Exatamente como Jongin fazia, naquele momento - debochando da situação, tratando-a com a mesma simplicidade com que trataria uma tarde de compras. Fechou a cara para a pintura, ao mesmo tempo em que se voltava para o amigo, finalmente sendo rápida o bastante, acertando-lhe um soco no peito antes mesmo que pudesse vislumbrar. Um segundo mais tarde, ele reagiu, seu rosto se franzindo numa careta de dor tão forçada como seu timbre anterior, sua mão sobre o local atingido.

- Doeu! - protestou, como uma criança a quem é negado seu brinquedo preferido. Como uma criança acertada com um tapa em meio a uma brincadeira.

- E desde quando eu bato para não doer? - rebateu, dura. Não se podia dar uma chance a Jongin, sem esperar que ele a surpreendesse de maneira negativa. Não fazia ideia de como poderia ter sido tão estúpida a ponto de achar que daquela vez seria diferente. Talvez fosse influência daquele dia, aquele começo de noite que de longe ficaria marcado como um dos mais caóticos e confusos da vida de ambos. Estavam praticamente sozinhos, agora que a maioria dos convocados para aquela reunião haviam se dispersado; os olimpianos haviam sido os primeiros, seguidos pelos deuses menores e, por fim, os arcanjos - a maioria destes não parecendo nem um pouco satisfeitos com as escolhas de ambos os deuses, Ares e Atena, ou mesmo com aquela missão, tida por todos como "arriscada" e "suicida". A própria Joohyun começava a questionar-se, quanto ao desfecho de tudo aquilo; de maneira alguma considerava a si ou ao colega como incapazes da tarefa que lhes tinha sido atribuída, e nem pretendia duvidar do potencial que ambos teriam para realizá-la. Haviam sido treinados, e não por dias ou meses, mas por décadas, por uma vida toda, para servir ao lugar a que pertenciam, às pessoas que os haviam acolhido e que viram neles potencial para defendê-las; haviam passado pelo pior do Ginasium e engolido cada mísera lágrima durante todas as seções, todos os treinamentos. Militarmente falando, estavam prontos.

O único problema, era quanto ao comando daquela missão. Isso, sim, a preocupava.

- De verdade, você não acha que ela exagerou um pouquinho? Falando daquele jeito, ela fez parecer que estava nos mandando para uma competição, uma corrida ou sei lá o que. Não acha que foi demais? - questionou-a o outro, após um momento durante o qual se dignou, entre resmungos e murmúrios de dor falsos, a massagear o peito; assistiu àquilo tudo sem um único protesto, revirando os olhos aqui e ali, incluindo quando a acusou de ser "agressiva para com os indefesos". Kai poderia ser tudo, menos indefeso.

Angels - SeulreneOnde histórias criam vida. Descubra agora