02:05 - Quarta-feira

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[Quarta-feira, 01 de março.]

Quando os créditos finais apareceram na enorme tela do cinema, Irene, ao contrário de todos os demais presentes, não fez nenhum movimento para se levantar. Não recolheu seus pertences, ou tentou limpar os vestígios de pipoca de seu colo, ou colocou seu copo plástico vazio dentro de seu balde igualmente abandonado. Ela permaneceu onde estava, sentindo-se muito confusa.

Nos dois dias entre seu convite e o encontro propriamente dito, cenários haviam passado por sua mente. Em sua maioria, projeções assustadoramente realistas fornecidas por sua ampla biblioteca de imagens fornecida pelos melhores arquivistas do Magnum. Milhares de fragmentos de posturas e reações, tempos adequados para risadas e expressões pensativas. Vocabulário vasto, com comentários que ela tinha estudado e absorvido, e até praticado em silêncio, às voltas por seu apartamento. Preparação que, no fim, se mostrou inútil.

Algo tinha dado muito, muito errado. Uma falha no sistema. Uma pane. Um defeito de comunicação com seu computador central. Qualquer coisa que pudesse explicar porque não conseguia se levantar daquela poltrona, quando isso era claramente o próximo passo à ser seguido.

Aquilo a preocupou. Irene era uma pessoa apegada à protocolos. Protocolos eram a diferença entre o sucesso e o fracasso, a vitória e a derrota. Eram tudo, tudo.

Ela tentou superar a sensação de estar nadando contra a própria maré se agarrando a outra sequência de ações padronizadas. Começando por controlar sua respiração. Respiração... e suavizar suas expressões. Sim, sim. Não era porque vivia uma crise interna, que o restante da sala precisava saber.

Uma pequena parte dela ainda estava atenta à movimentação ao seu redor - ainda seguindo um protocolo. Lentamente, como se guiadas por uma mão invisível que lhes fazia pastoreio, as pessoas seguiam seu caminho para fora da sala. Um só. Dezenas precisavam passar por ela. Por elas.

Porque de todas aquelas pessoas, a única com quem a Bae realmente se preocupava era Seulgi.

Havia todo um segundo nível de questões em espera, uma espera ansiosa e desagradável. Ela se perguntava se sua quietude não era um ato rude. Se aquele silêncio, com o qual a tinha brindado durante quase todo o filme, não acabaria sendo o empecilho que, ao fim, estragaria tudo.

Não era como se tivesse planejado aquilo. Tinha possibilidades e mais possibilidades, falas prontas para momentos importantes, um roteiro meticulosamente traçado... jogado no lixo. Mas Irene não pôde evitar.

Quando ela deixou seu apartamento, uma hora antes do horário que tinham combinado, foi como se deixasse tudo para trás. Como o casaco que cogitara vestir, desistindo da ideia aos quarenta e quatro e cinquenta do segundo tempo. Livre das outras presenças, sua mente esvaziou, deixando apenas ela mesma: um passo atrás do outro, atravessando um hall na direção da mulher que a esperava.

Apesar disso, apesar de ter largado todas as pressões e os pormenores do plano em casa, ela não tinha se saído muito melhor. Julgando pelo olhar mais educado e sensível, Irene falhara em tantos aspectos que ficava tonta apenas de pensar. Para os objetivos estratégicos a que aquela noite servia, sabia que sua atuação fora absolutamente perfeita.

Irene se sentia uma farsa. Tinha dito a Yuta que não jogaria seu jogo, que faria as coisas segundo seus próprios princípios, e ali estava o resultado. Não parecia muito melhor do que se tivesse aceitado a ideia original.

Mesmo com a perspectiva se sucesso na execução de sua tarefa, Bae se sentia...

Nem sabia como se sentia, para ser precisa. Nunca antes em sua vida tivera que dar nomes às suas emoções. Elas apareciam e sumiam. Por vezes, com um pequeno intervalo entre cada uma das ações, outras, com lacunas grandes entre um pico e o seguinte que podia notá-las.

Angels - SeulreneOnde histórias criam vida. Descubra agora