CAPÍTULO XVIII: UMA JANELA PARA O INFERNO

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Beijar Érico era bom. Os lábios dele eram macios e, após uma timidez inicial, senti uma ansiedade crescente na forma como interagiam com os meus como se realizassem um desejo antigo de seu dono. Também era notável que ele possuía certa experiência naquilo e eu sabia disso, pois também tinha. Após sete meninas, três meninos e muitos livros, eu entendia um pouco sobre beijar, mesmo que nunca tivesse experimentado algo tão intenso quanto aquilo. Talvez fosse o cenário de fim do mundo ou o bafo gelado da morte soprando no pescoço, mas sabia que jamais tinha me entregado tanto a outra pessoa quanto naquela hora.

Nossos corpos começaram a se aninhar. Érico levou uma das mãos a minha cintura apertando-a carinhosamente enquanto a outra recaía sobre a bochecha deslizando de forma lúbrica pelo rosto até parar na parte de trás da cabeça onde ele fez força, pouca, porém suficiente para intensificar o beijo. Cada um de seus toques eram quentes. Excitantes. Irradiavam calor por todo o meu corpo. Seu cheiro masculino parecia tomar posse de mim. Por sinal, era quase um milagre ele não estar fedendo, muito embora pudesse ser só a excitação agindo no meu cérebro. De qualquer forma, não era hora de ruminar os detalhes. Entrando ainda mais na onda, guiei meu toque ao peito de Érico. O rapaz atrapalhou-se quando fiz isso. Seu coração bateu mais depressa assim como o meu.

Devagar, nossos lábios foram se separando, mas conservamos a proximidade. Érico uniu nossas testas, as respirações ofegando em sincronia, então abri meus olhos apenas para defrontar o azul celeste dos dele. Havia algo brilhando no fundo como se viesse direto da alma, uma ânsia, um desejo crescente não só por mim, mas pelo que eu podia representar também. Érico uniu as duas mãos em minhas costas puxando-me mais para perto enquanto começava a dar suaves beijinhos por minha bochecha descendo até o pescoço. Um arrepio serpenteou por minha coluna e involuntariamente sussurrei o nome dele. Érico pareceu surpreso, aproveitei sua distração para buscar outra vez os lábios dele tomando-os para mim.

Então, dentre os milhares de pensamentos que eu poderia ter naquela hora, acabei com o do dia em que jogamos bola juntos. Quando o conheci um pouco melhor. Inevitavelmente, recordei as palavras que ele dissera naquele dia, do inegável fastio resultante, do terrível sentimento de desesperança que me acometeu em seguida. A memória infiltrou-se por cada centímetro do meu corpo como um câncer. Os toques pareciam lâminas cravando-se na carne. A proximidade subitamente mudou para a repugnância. O beijo, num mero instante, foi de prazeroso para o literal epítome do asco.

― Não, para! ― murmurei enquanto fechava minha boca e empurrava o peito dele, afastando-o. Érico recuou, assustado. Dei alguns passos para trás também. Mantive um braço erguido para garantir a distância. Por instinto, cobri a boca com a mão.

Érico começou um murmúrio.

― Não ― cortei-o.

― Mas a gente... eu...

― Por favor ― pedi. ― Não... fala mais nada. Eu... Eu... Droga! ― minha raiva, em grande parte, era por não ser capaz de pensar numa forma de lidar com a situação. Meus pensamentos não se ordenavam. Havia me deixado levar pelas emoções e esquecido da problemática. O pior: eu tinha gostado. Me senti bem enquanto nos beijávamos. Senti que merecia uma folga, um pouco de carinho. Tinha algo nele que me trazia calma. Era impossível negar isso. De certo, haviam palavras adequadas a usar, coisas preferíveis a fazer, a dizer naquele momento, contudo a única necessidade imediata era distância, tempo.

― Desculpa ― Érico falou tão baixinho que quase não ouvi. ― Eu, digo, você. Pensei que você era... quer dizer, eu... eu não sou g...

― Tá vendo? É esse o problema ― Érico fez cara de ponto de interrogação. ― Claro que você não entendeu! ― levei as mãos a cabeça empurrando o cabelo para trás. ― Olha, eu... eu... droga, não sei o que dizer. Eu só... vamos parar por aqui, pode ser? Vamos levar a arma de volta, seguir em frente e parar pra conversar sobre o que aconteceu depois. Com calma. Devagar. Vamos... pôr as cartas na mesa e tentar chegar a algum lugar, pode ser? Isso... está bom para você?

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