CAPÍTULO XXIII: A RESPOSTA

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Apesar de suas palavras, a fisionomia no rosto de Demétrio permaneceu inabalável. Aquela, para mim, em geral era uma pergunta simples de resposta simples, porém, tão inesperada que me fez travar por completo. Balbuciei sons aleatórios enquanto minha mente processava o que acabara de acontecer. Fazia um bom tempo que eu tinha superado, aceitado as questões que envolviam a tal pergunta. Foi essencialmente o foco da terapia que fiz durante um terço da vida. Eu não costumava tocar no assunto de forma espontânea, no entanto nunca negava se alguém me perguntasse.

Então lá estava eu, diante de Demétrio sem conseguir falar. Claro, fui pego de surpresa, entretanto mesmo depois dela passar, permaneci em silêncio. Era provável que uma parte minha relutasse em externalizar isso particularmente para os meus companheiros de apáscoalipse. Não pela questão daquela pergunta em si, qual língua eu queria lambendo a minha era o de menos, mas uma coisa levava a outra e estava sendo muito bom ver todos me tratando como eu mesmo.

Talvez eu estivesse errado, talvez isso fosse algum mal exemplo para a comunidade ou algo assim, só que olhando para trás, para todas as vezes que fui chamado de muié-macho, machona, sapatona, aberração, pecadora (etc.) e/ou olhado como uma atração daqueles shows de aberrações e comparando com essa nova realidade bizarra onde coelhos caçam pessoas , todos me chamam pelo meu verdadeiro nome, referem-se a mim como "ele", me tratam como eu realmente sou, uma coisa ficou bem clara. Não estava pronto para abrir mão, não me imaginava fazendo isso.

Encarei Demétrio, dessa vez sabendo o que dizer.

― Olha ― adiantou-se ele. ― Tudo bem se tu não for ou não quiser falar, eu até peço desculpas por...

― Não precisa ― abri um sorriso largo. ― Eu... sou sim!

Senti o coração acelerar após proferir aquelas palavras, contudo era o tipo de aceleração boa. Enquanto isso, a expressão séria de Demétrio se desfez. Foi de surpresa para felicidade extrema em minutos desaparecendo por completo quando ele começou a bater palminhas.

― Ah, eu sabia que eu num tava louco. ― ele me abraçou, fiquei assustado, mas Demétrio rapidamente se afastou. ― Já desconfiava antes de te conhecer ― balancei a cabeça ainda rindo. ― É sério, no dia que tu chegou na escola eu juro que pensei "Tem uma bicha entre nós". Ah, só pra tu saber e, caso faça alguma diferença, isso que eu falei não é ofensivo porque eu também sou.

― Ah, claro, eu... ― olhei bem para ele. ― Pera, para tudo. Agora que eu processei. Cê também é? Como que eu nunca reparei?

Demétrio deu de ombros.

― Não é a primeira vez que acontece ― comentou. ― Acho que é esse meu jeito machão, viril, hétero top que confundiria até o deus hétero que eu chuto ser aquele cara dos filme de carro.

― Algo de errado não tá certo aí ― ergui uma sobrancelha. ― Por que cê acabou de descrever o Érico?

Demétrio riu.

― Pior que tu tá certo ― ele baixou o tom de voz. ― E, como todo hétero top que se preze, o Érico também é. ― assenti calmamente. ― Enfim, desculpa por perguntar assim na lata. Tava querendo fazer isso desde a clareira quando vocês dois...

― Não, tá tudo... peraí ― ergui o olhar pra Demétrio que tinha uma expressão felina. ― Você... ele...

― Ele não contou nada, vou chutar que os dois pombinhos combinaram de manter segredo e ele tá fazendo isso muito bem. ― Demétrio cruzou os braços. ― Não contou nem pra mim, aquele jaguarinha filho da mãe. Me senti pessoalmente ofendido.

― Então como...

― Como eu sei? ― ele revirou os olhos. ― Conheço aquele safadinho a vida inteira, somos praticamente irmãos, sei ler o cara melhor do que ele mesmo. Eu percebi tudo, foi o Demétrio e mais ninguém.

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