CAPÍTULO V - VOLTAR NO TEMPO

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Antes: Felipe vai para uma nova escola e embora conheça alguns amigos em potencial, passa por uma situação desconfortável em um jogo de futebol.

Agora:

Entrei no apartamento esperando me sentir melhor, mas ele parecia mais triste do que eu. As luzes estavam apagadas, as cortinas fechadas e uma corrente de ar circulava. Um arrepio passou por minha espinha, o que me deixou levemente assustado. Tudo que eu não precisava agora eram fantasmas. Muito embora eles combinassem com a estética daquela casa ― somente uma casa, não um lar.

Suspirei.

Pela primeira vez realmente senti falta da velha casinha de paredes brancas manchadas que sempre me acolheram quando as coisas complicavam ou quando eu estava mal. Pelo menos lá eu sabia que estava seguro, enquanto o novo apartamento sequer parecia meu; na verdade nem chegava a parecer um lugar real. Por outro lado, ele guardava uma coisa capaz de apaziguar meus anseios melhor que qualquer casa de infância.

― Mãe! ― chamei.

A resposta veio como um fraco "aqui" de dentro do quarto. Fui para lá um tanto preocupado. Quando entrei, ela estava sobre as cobertas mudando a posição de deitada para sentada.

― Tudo bem? ― indaguei.

― Tudo ― respondeu ela. ― Só tive uma tontura. Acho que foi queda de pressão.

― Falou com o pai? ― sentei na cama junto dela.

― Não quero atrapalhar o grande dia dele. ― lancei um olhar feio em sua direção. ― Falo depois que ele chegar, tá bom?

― Ok.

Ficamos em silêncio por alguns segundos.

― Como foi na escola? ― perguntou minha mãe.

Não respondi. Uma parte minha queria contar tudo a ela, detalhe por detalhe, porém, a outra nem ao menos podia conceber a ideia de fazer isso. Infelizmente essa também era a mais forte.

― Normal ― senti uma pontada de arrependimento logo após dizer isso. ― Foi bem tranquilo.

Ela ergueu uma sobrancelha. Dei um sorriso e tentei levantar da cama.

Peraí ― disse ela me segurando pelo braço. ― Eu sei que você tá triste ― abri a boca para contra-argumentar, mas não fui tão rápido: ― Pense bem antes de mentir pra mim de novo.

Ainda levei um tempo tentando realmente pensar, entretanto, no fim, permaneci calado.

― Deita aqui comigo ― pediu ela.

Não questionei. Tirei a mochila, depois os tênis e me aconcheguei na cama junto com ela. Tínhamos praticamente o mesmo tamanho, então a coisa ficava proporcional. Ela envolveu meu corpo com os braços e beijou minha cabeça.

― Tem certeza de que não quer falar sobre o que aconteceu? ― perguntou.

― Tenho ― respondi, lacônico.

― Eu te amo. Sabia disso? ― assenti mesmo ela não podendo ver. Estava prestes a dizer "Eu também", contudo fui novamente interrompido. ― Amo você mais do que qualquer outra coisa no mundo, meu principezinho.

De repente senti como se eu entrasse em combustão espontânea. Fiquei tão quente que gotículas de suor formaram-se em minha testa. Nunca, nunca mesmo, nem nos meus sonhos mais loucos fui capaz de imaginá-la me chamado daquilo. Quando criança, na época tenebrosa antes de me assumir, ela me apelidara de princesinha. Eu era sua princesinha. Passávamos horas "juntas", ela me enfeitando com vestidos e tiaras ― coisa que eu detestava, mas que relevava para apreciar o tempo de mãe e "filha".

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