CAPÍTULO XXXVI: EU DEVIA SABER

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Antes:

O doutor Narciso revela o passado do pai de Felipe com a N-life e sua ajuda na criação de humanos aprimorados como o próprio filho. Ao dizer que Felipe possui uma forma mais eficaz da fórmula dos poderes, Suelen o mata. Áster revela que uma bomba está prestes a destruir a cidade e a única saída é indo contra a Central da N-life. Enquanto pensa sobre o que fazer, Felipe descobre algo sobre Samuca.

Agora:

Minhas mãos tremiam enquanto os olhos passavam pelas letras garranchadas naquele papel amassado. O coração batia rápido numa sonata de desolação crescente. Mal tinha consciência dos braços de Sérgio enrolados em meu corpo e dos choramingos do garoto ecoando pela sala.

Caro Felipe

Obrigado por ser tão legal comigo. Obrigado por me escutar e por escolher ficar do meu lado mesmo eu não merecendo e você não ganhando nada com isso, só fez porque você é bom. Mais do que quase todos os adultos que eu conheci. Eu tenho certeza que você vai cuidar do Sérgio do jeito que ele merece, mas eu não posso ficar com vocês. Não quero nunca mais colocar gente que eu amo em perigo. Não consigo ver vocês se machucarem por minha causa nem que seja pra me proteger. Eu só quero vocês felizes, por isso preciso ir embora.

Mas não se preocupe comigo. Eu conseguia me virar bem quando não tinha nada para proteger, consigo de novo. Não me procure. Obrigado por tudo. Obrigado por, mesmo que bem pouquinho, me amar. Adeus.

PS: O Sérgio gosta de histórias antes de dormir e de ficar abraçado quando troveja, não esqueça.

Com amor, Samuel :)

Li a última palavra com a voz já tomada por um choro avassalador sem importar-me em fazer cena diante de todos. Érico apressou-se em me abraçar. Afundei em seu peito, entregando-me. Meus dedos afagando os cabelos de Sérgio do outro lado. Apesar disso, quase nenhuma parte de mim estava de fato ciente dos arredores. Havia mergulhado em um mar de culpa prestes a me afogar. Eu realmente achei que tinha alcançado o coração de Samuca. Achei que poderia fazê-lo confiar em mim, confiar que, a partir de quando nos conhecemos, não havia uma versão da história onde eu estivesse feliz sem ele ao meu lado ou qualquer perigo o qual não pudesse vencer pelo menino e seu pequeno irmão.

Mas quem eu pensei ser? O que além da droga de um adulto recém saído da adolescência? Eu não sabia nada sobre nada. Não conhecia o mundo nem as pessoas, não o bastante parra compreender sentimentos tão complexos e profundos. Eu era uma farsa. Um idiota cheio de convicções infundadas. A versão diante de todos naquele momento, o menino chorando por uma mistura de sentimentos que sequer conseguia nomear, aquele era eu de verdade. No fundo. Sob toda a adrenalina. Estava claro, apenas me recusei a ver.

― De tudo que aconteceu até agora ― Demétrio disse sentado numa cadeira próxima. ― É horrível que ele tenha concluído justo isso.

― Nem posso imaginar o tipo de peso que o garoto tava carregando pra se ver desse jeito ― emendou Áster. ― Achar que as vidas de todos seriam melhores sem ele.

Funguei, afastando-me do loiro-padrão com olhos inchados. Deslizei, sorrateiramente, as mãos para os ouvidos de Sérgio.

― O Samuca teve uma vida difícil, mais do que dá para dizer ― disse, soluçando. ― Ele escolheu absorver toda e qualquer dor para si mesmo, desse jeito o irmão não precisava fazer o mesmo nunca. Isso não passa do último nível de algo cujo começo foi há muito tempo.

Houve um breve silêncio.

― E o que acontece agora?

Respirei fundo.

APÁSCOALIPSEOnde histórias criam vida. Descubra agora