CAPÍTULO III - ESQUISITO

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Antes: A caminho de sua nova cidade, Felipe conhece uma jovem chamada Melissa por quem se interessa. Emoções vem à tona quando seu pai acidentalmente conta um segredo que o rapaz desejava manter assim.

Agora:

Assim que retornei ao ônibus, senti como se uma montanha de vergonha caísse sobre mim. Melissa estava no fundo conversando sabe-se lá o que com a mãe. Seu olhar desviou para mim, mas não tive coragem de retribuir e me sentei rapidamente. Estava desembaraçando meu fone numa tentativa de passar por aquilo com alguma música bem triste quando senti o perfume dela se aproximando. Imediatamente virei para o lado bem encolhido. Nunca desejei tanto poder desaparecer.

― Oi ― disse ela com uma voz hesitante. ― Eu... eu só queria pedir desculpa por ter ficado quieta naquela hora. A-aquilo me pegou de surpresa. Você foi muito convincente, eu nem desconfiava.

A fitei com o canto dos olhos e fui agraciado com um sorriso.

― Olha ― continuou Melissa. ― Eu só queria dizer que você... bem ― ela respirou fundo antes da próxima frase: ―, você não é a primeira pessoa LGBT que eu conheço.

Virei para ela já interessado.

― A minha melhor amiga da outra escola ― Melissa mordeu o lábio. ― ela... era lésbica. E ela contou para mim antes de contar para qualquer outra pessoa. O... o que eu tô tentando dizer é que pra mim isso não faz diferença.

Ela chegou ainda mais perto e pousou a mão gentilmente em meu joelho.

― Não importa se você é cis ou trans ― e, assim como surgiu, a montanha de constrangimento foi embora num piscar de olhos. Abri um sorriso quase de orelha a orelha. ― Você continua sendo o mesmo cara legal e bonito que eu conheci.

Quando ela disse isso notei que seu rosto estava bem próximo do meu. Senti um tipo de arrepio passar por todo o meu corpo, um impulso de me aproximar também, mas ao mesmo tempo que queria aquilo, também não parecia certo. Quer dizer, tínhamos acabado de nos conhecer e os pais dela estavam bem do nosso lado. Não, eu só estava imaginando coisas. Coloquei minha mão sobre a dela.

― Obrigado ― falei. ― Você também é legal e... e bonita.

― Obrigada ― ela respondeu e, hesitante, tirou sua mão debaixo da minha. ― E pode ficar calmo que eu não vou contar pra ninguém. Promessa.

― Obrigado.

Depois disso a viagem seguiu tranquila. Melissa e eu voltamos a conversar como se nada tivesse acontecido. Não voltamos a tocar no assunto. Senti que ela estava me dando espaço, porém, ao mesmo tempo que era grato, eu também queria falar sobre. Por outro lado, uma parte minha temia que ela falasse algo estereotipado ou até preconceituoso sem querer e, como queria manter a agradável memória daquele nosso momento pelo máximo de tempo possível, tentei nos distrair falando sobre outras coisas. Além do mai, não demorou muito para chegarmos a nosso destino.

Cerca de uma hora e meia depois já avistamos o letreiro de recepção da cidade de Nova Algar. Me ajeitei no sofá para ter uma boa visão da rua. O lugar parecia bem maior do que Apiaí, dava para ver as construções tomando conta de todo o horizonte e até um ou outro prédio daqueles com um monte de andares. Eu nunca me imaginei morando numa cidade com prédios daqueles, talvez porque os associasse a lugares grandes e barulhentos e sempre gostei muito do meu singelo município que conseguia ser um misto perfeito de rural e urbano. O pai de Melissa passou por nós e entrou na cabine do motorista lançando um joinha para a filha. Pensei em perguntar, mas estava mais interessado em espiar minha nova casa.

 O fim de tarde se aproximava e o sol projetava uma sombra à frente dos comércios abertos, era uma imagem familiar, típica de subúrbio. Havia poucas pessoas na rua, porém vários carros indo para lá e para cá, alguns jaziam parados no semáforo. Semáforo. Aquela cidade era muito chique. O ônibus entrou por uma rua com várias lojas cujos nomes não consegui ler até pararmos de repente. Gabriela apareceu com seu sorriso assustador junto do pai de Melissa. Ele sinalizou para a esposa que pegou a mão do filho e apressou-se em sair do ônibus.

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