CAPÍTULO XXVII: COMO UMA GOTA NO OCEANO

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ANTES: Uma nova sobrevivente aparece. Flora surge do nada trazendo mais problemas a Felipe, ainda mais depois de descobrir que ela é tia de Sérgio e Samuel, embora pareça desprezar o segundo. Felipe afasta os meninos dela o quanto antes, levando-os para tomar um merecido banho.

AGORA:

Sérgio enxugou rapidamente os olhos na minha roupa antes de Samuca voltar. Algumas peças começaram a se juntar. Todo o tempo, Samuca tentava parecer forte por Sérgio, porém, não imaginei o caçula fazendo o mesmo. Apesar de não ser a melhor forma de lidar com a situação, invejei a parceria dos dois. Era um pelo outro. Algo lá no fundo sussurrou para mim "e você pelos dois". Sim, a responsabilidade qual escolhi ter.

Com tudo pronto, seguimos Érico outra vez. Não demorou muito para darmos de cara com duas portas isoladas com ícones de masculino e feminino. A placa exibindo os dizeres "banheiro dos funcionários" tinha uma mancha de sangue em formato de mão. Troquei um olhar rápido com o loiro-padrão que sorriu amarelo.

― Tá tudo bem. Tudo muito seguro. ― garantiu erguendo o polegar e sorrindo. Acenei em resposta. Aquele maldito sorriso. ― Vamos.

Ele apressou-se em abrir a porta. Antes de entrar, ouvi o chiado da água detrás da porta ao lado. Lembrei de Arantes falando sobre Astélica ― shipp de minha autoria. ― estarem lá. Seria verdade? Bom, a este ponto, quem sabe realmente o que elas fazem ou deixam de fazer?

Assim que me juntei aos outros no banheiro, senti aquela brisa fria com forte cheiro de sabonete vindo contra mim. Depois de toda a carniça, sangue, suor e gosmas de natureza indefinida, aquilo parecia o aroma do paraíso se comparado. No mais, o lugar era simples. Três espaços com chuveiro, três cabines com vaso, um grande mictório único nada prático ao fundo, além das duas torneiras na pia, o espelho horizontal para completar. Ambos nas cores branco, cinza e laranja. Por sinal, todo o lugar tinha a última cor em algum lugar. Não consegui ver a logo antes de entrarmos, mas apostava ter um trocadilho mirabolante.

Também foi inevitável pensar que, apesar dos pesares, me sentia confortável naquele espaço. Para pessoas como eu, banheiros viram tabus. Na minha antiga escola, os caras ficavam acanhados comigo no banheiro deles. Faziam piadas na linha tênue do insulto. As meninas não ligavam tanto para isso, entretanto, eu não queria continuar indo no delas. Mesmo precisando me certificar de não ter ninguém no banheiro masculino antes de entrar, estava feliz, o passo podia ser pequeno, mas o salto era gigantesco para minha identidade. Estar ali com outras pessoas, sem questionamentos ou olhares tortos, me enchia de alegria ― exceto pela mentira. Talvez fosse um passo para frente e dois para trás, porém, ainda era um para frente.

Desci Sérgio de meus braços enquanto Érico distribuía as toalhas. Fiquei com uma do Capitão América. Teria ele feito de propósito? Aquele sorrisinho besta dava a resposta. Espichei a língua para ele. Érico respondeu lambendo seus lábios e balançando as sobrancelhas. Eu estava criando um monstro. De repente, Serginho pulou no espaço entre nós, já vestindo somente sua cuequinha verde. A toalha vermelha enrolada ao redor do pescoço.

― Olha só ― falei sorrindo para ele. ― É o super menino. Veio ajudar as pobres pessoas sujas no fim do mundo?

Sérgio assentiu sorrindo.

― Bom, pra fazer isso precisa primeiro tomar banho ― diminuí meu tom de voz. ― Se não, os vilões podem sentir seu cheiro.

― Ih, verdade ― ele saiu correndo em direção ao box. O punho fechado estendido à frente do corpo. ― Venha comigo, Samu Maravilha.

O menino mais velho nos encarou corado.

― Eu perdi uma no par ou ímpar há três anos, tá? ― explicou.

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