CAPÍTULO XXXI: O MONSTRO À ESPREITA

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ANTES: Flora tenta levar Sérgio embora, Samuca implora para ir junto. Felipe tenta impedir, mas a mulher ameaça a vida do menino. Numa jogada da sorte, Felipe acerta Flora com seu machado, no entanto, ela retorna na forma de um coelhão vermelho.

AGORA:

Flora era um coelhão. Das muitas loucuras quais eu esperava do apáscoalipse, essa veio realmente do nada. Depois de Orelhuda, concluí que todos os monstros eram coelhos comuns modificados de alguma forma pelos experimentos da N-life. Mas isso? Isso mudava tudo. Se aquela mulher poderia ser uma coisa daquelas, qualquer um poderia. Um pensamento terrível veio à minha mente, mas me recusei a acreditar. Além disso, não havia muito tempo para conjecturas. Minha cabeça se chocou com a quina de uma prateleira. Gemi alto. Meus três companheiros, como eu, rolaram pelo chão devido a força do urro da criatura e se espalharam pelo corredor estreito. Apesar disso, os seis olhos sinistros focaram diretamente em mim.

Era difícil discernir expressões no rosto do roedor mutante, mas se tinha uma de ódio, era aquela. A coelha vermelhona caiu de quatro, o chão tremeu levemente, as patas traseiras inflaram tal qual balões elevando-se acima até mesmo das grandes orelhas estáticas como chifres. Observei a cena, confuso. O piso abaixo dos pés enormes começou a trincar. A coisa abriu uma parte da boca, sua versão de sorriso. Um arrepio percorreu minha espinha. Cada célula berrava a palavra perigo em meu cérebro. Não havia tempo para pensar. Busquei forças não sei onde para jogar meu ombro contra Sérgio e Samuca nos fazendo rolar para o lado, meio segundo antes do estrondo semelhante a um canhão retumbar e a Vermelhona arrebentar a prateleira atrás de nós. Tive certeza de sentir os pelos chicoteando minhas costas através das roupas. Se não fosse aquela blusa, teria ficado em carne viva.

Flora, porém, não parou ali. O som de seu corpo imenso chocando-se com outros ambientes do mercado ecoou por meus ouvidos. O chão onde ela estava foi reduzido a pedregulhos. Lembrei dos demais coelhões que vi. A facilidade com a qual destruíam carros, partiam pessoas e prédios inteiros ao meio. Imaginei todo esse poder ao alcance de um humano. Diferente das criaturas agindo por instinto, as pessoas podiam explorar muito mais do potencial contido em tantas habilidades. A técnica de se impulsionar usada pouco antes provava isso.

Balancei a cabeça. Não havia tempo para ficar matutando e menos para permanecer parado. Com os meninos grudados em mim ainda tremendo incapazes de erguer a cabeça, levantei. Apoiei cada garoto num braço, pus Mini na boca e respirei fundo. Uma leve tontura me tomou, mas fiquei firme. Gesticulei da melhor forma possível para os outros se apressarem. Áster já estava em pé, Angélica apoiando-se nela. Érico lutava para sair do lugar apoiando-se numa pilastra. Ele não aparentava ferimentos, devia ser a desordem interna de presenciar aquilo. Fui até o rapaz oferecendo meu ombro. O loiro-padrão hesitou. Seus olhos pousando nos meninos. Assenti em sinal de estar tudo bem. Ele aceitou. O peso quase me fez cair outra vez, no entanto, lutei para segurá-lo até equilibrar-se sozinho. Lancei um olhar de "fico feliz por estar bem", em seguida, comecei a correr. Sem tempo para mais explicações.

Como ninguém era idiota, não demorei a ouvi-los atrás de mim. O alvoroço da Vermelhona parecia cada vez mais fraco. Logo, ela viria atacar novamente. Tendo os demais atrás de mim, cabia a mim guiar e o fiz em direção a sala de câmeras na qual nos alojamos. De fato, o lugar haveria mais vítimas em potencial, mas também onde estava Toledo com seu fuzil especial. A arma comum de Érico mal arranhou a criatura, o soldado era nossa única chance.

No entanto, Flora não nos daria tanta moleza assim. Ao longe, um trote pesado começava a surgir. Barulhos claros de destruição. Estouros metálicos seguidos de algo como sacos estourando. Cheiros misturados dançavam pelo ar. O caos ficou mais próximo. Olhei apenas um pouco para trás. Prateleiras e mais prateleiras voavam ante a força da Vermelhona cada segundo mais perto. Nesse ritmo, seria impossível conseguirmos qualquer coisa exceto sermos destroçados.

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