CAPÍTULO I - NOVIDADE

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O coelhão me encurralou no beco. Tentei, movido pelo desespero, subir na parede atrás de mim igual ao Homem-aranha. Parecia tolice, mas diante de tudo que estava acontecendo não seria a coisa mais estranha. Ouvi-o rosnar e me virei. Ele se aproximava devagar. Claro, não precisava mais se esforçar, já tinha vencido. As longas orelhas moviam-se como um tique e seus seis olhos vermelhos estavam bem abertos, suas presas assim como seu pelo branco brilhavam cobertos por sangue.

Era muito louco pensar que há pouquíssimo tempo aquele monstro terrível não passava de um mísero e inocente coelhinho, que agora iria me estraçalhar como se eu não fosse nada. Esse pensamento talvez devesse me dar força para lutar por minha sobrevivência, mas o que realmente aconteceu foi que desabei sobre meus joelhos. Eu já não aguentava mais, tinha visto tanto caos num único dia que talvez fosse melhor apenas me juntar a ele. Apenas desaparecer. Então fechei os olhos e esperei que o meu predador viesse.

Escutei seus passos se aproximando e comecei a chorar. Ali estava, meu fim. Nunca quis pensar em como seria e agora o encontrava da forma mais inimaginável do mundo, ou seja, comido por um homem-coelho mutante gigante. Em horas assim é que a gente reavalia as decisões que nos levaram até aquele exato ponto e, bem, se eu posso definir um momento como o marco zero de toda esse forfé, ele foi na quarta-feira passada quando meu pai entrou em casa com um sorriso no rosto.

Aquilo era estranho porque quarta era o pior dia para ele. Nove aulas divididas em duas escolas diferentes a meia hora de distância uma da outra com apenas as três primeiras horas da manhã para descansar. E mesmo ele gostando de falar sobre biologia, no fim do dia ele chegava em casa só o pó, logo, aquele sorriso imediatamente chamou a atenção.

― Aconteceu uma coisa incrível ― ele disse quase sem fôlego.

Troquei um olhar com minha mãe que estava sentada a meu lado no sofá.

― O que? ― perguntei, sorrindo.

― Eu tava na escola, certo? ― contou ele. ― Era um dia normal. Bem chato. Daí me chamaram na diretoria porque entregaram uma carta pra mim, o que era estranho, eu não tava esperando nenhuma carta, nem sonhava com isso, ninguém manda carta desde... nossa, nem lembro, mas isso não importa. A carta era de uma empresa chamada N-life que é um laboratório bem rico. Eles leram sobre a minha pesquisa e se interessaram. Estavam fazendo uma proposta por ela, um bom dinheiro. Também me ofereceram um emprego como cientista, um de verdade. O laboratório fica numa cidade no Paraná chamada Nova Algar, então vamos ter que nos mudar, mas o ponto é: Dá para acreditar que isso está acontecendo? Eu... eu... 

Ele parou para tomar fôlego. Minha mãe tomou isso como uma deixa.

― Amor ― começou ela, bem calma. ― Eu não quero jogar um balde de água fria em você, mas isso tá parecendo um golpe.

― Não é ― garantiu ele. ― Eu chequei. Tinha um número, eu liguei e conversei com eles. É de verdade.

― Isso não é nenhuma garantia ― ela levantou e aproximou-se do marido.

Nesse ponto, eu sabia que precisava fazer alguma coisa. Se tinha algo que minha mãe sabia era como acabar com a empolgação de alguém e quase sempre isso acabava magoando a pessoa e eu não estava nem um pouco afim de ser pego no meio de uma briga entre eles. Muito embora elas raramente durassem mais do que cinco minutos. De qualquer forma, peguei meu celular e joguei o nome da empresa no google. Entrei em alguns sites procurando algo que corroborasse o que meu pai tinha dito antes que minha mãe tivesse a chance de falar.

― Mãe ― chamei-a interrompendo o quer que ela fosse falar. ― É verdade mesmo. Eu estou no site deles agora ― levantei e fui até ela para mostrar. ― Eles realmente contratam gente com pesquisas caseiras tipo o pai. Tão falando disso até no G1.

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