Antes: Felipe tem um momento carinhoso com sua mãe, depois de um dia ruim. Ele sai para um encontro com sua nova amiga, Melissa e acaba cuidando da coelha dela.
Agora:
Estava voltando para casa segurando a gaiola de Orelhuda quando ouvi algumas vozes exaltadas. Desviei um pouco na direção do som e vi um grupo de rapazes reunidos num pequeno campo ao longe. Me aproximei deles, devagar. Estavam divididos em dois times, sem camisa e com, pareciam muito engajados em sua disputa. Cheguei ainda mais perto, apesar dos acontecimentos recentes, eu ainda adorava jogar futebol e saber que tinha uma campinho tão perto de casa era muito interessante.
Reconheci alguns garotos da escola, um em particular me chamou a atenção. Me lembrava bem do rosto dele não apenas por ser irritantemente bonito como também por pertencer ao cara que havia me derrubado mais cedo na escola, loiro-padrão. Ele corria com a bola, estava sem camisa exibindo um peitoral levemente definido. A pele bronzeada jazia coberta por gotículas de suor. Vê-lo me fez ficar dividido; de um lado, minha mente carregava o ressentimento pelo jogo e pelo que ele fez lá; mas de outro, o meu corpo idiota insistia em ficar quente e meu coração em bater mais forte.
Era uma mistura de ruim com bom muito incômoda.
De repente, uma ovação. O loiro-padrão tinha feito um gol. Seu time comemorou enquanto o outro apenas bufou. Pareciam irritados, mas não surpresos, eles se afastaram para beber água. Quis me aproximar deles, tentar entrar no time e ter minha revanche contra o protótipo de Capitão América, contudo ouvi um "oi" a meu lado e dei um pulo quase derrubando Orelhuda no chão. Saído do absoluto nada, o loiro-padrão se encontrava diante de mim.
― Seu nome é Felipe, né? ― perguntou ele.
Encarei-o por um instante. De perto e sem dor, ele era ainda mais bonito. Até o cheiro dele era gostoso, mesmo suado. A surpresa por pouco me fez esquecer que não gostava dele. Por pouco.
― O que você quer? ― rebati com uma voz altiva.
― Ok, eu entendo que você não é muito meu fã ― sua voz tinha um tom aveludado agradável aliado a um sotaque desconhecido. ― Olha, eu só queria pedir desculpa por hoje, tá? Às vezes quando eu tô jogando fico meio loco, mas não é nada pessoal, desculpa mesmo.
Pensei bem antes de responder. Era bem legal da parte dele se desculpar daquele jeito e embora tivesse sido um momento doloroso de várias formas, se machucar fazia parte do jogo. É um risco que todos corriam no fim das contas, eu não podia esperar que fosse diferente para mim. Respirei fundo. Modulei minha voz da melhor forma possível e falei:
― Tá ok! Não foi nada.
Ele sorriu, ao fazer isso, percebi que um de seus dentes era torto. Aleluia, pensei, ele não é perfeito, graças a Deus.
― Tu não vai acreditar no que aquele piá do djanho do Mateus acabou de inventar ― disse uma outra voz bem estridente.
Me virei para ver quem falara. O dono da voz era um garoto afro-brasileiro alto e magro com longos cabelos pretos encaracolados que jaziam presos com um lacinho. Assim como o loiro-padrão, estava com o peito o nu, porém o seu não era musculoso. Uma barba rala lhe cobria a bochecha.
― O que foi, Demétrio? ― indagou o loiro-padrão.
― Aquele traste ganjento inventou de ir embora pra ― ele fez aspas com os dedos e imitou a voz do tal Mateus. ― "Ir no médico porque tava achando que quebrou o tornozelo"!
― Capaz mesmo! ― devolveu o loiro-padrão, descrente. ― Ele jogou mais meia partida depois de cair.
― Tão, foi o que eu disse! ― por algum motivo, eu estava achando aquela conversa engraçada. O jeito como o outro falava era o principal motivo. ― Mas ele tá indo ver a namorada, eles tão com medo dela tá buchuda. Já hojinho eu ouvi ele mandando um áudio perguntando se ela comprou o teste.
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APÁSCOALIPSE
Ficção CientíficaÀs vésperas da Páscoa, Felipe se muda para outra cidade devido ao novo emprego do pai. Mas enquanto ele lida com uma nova casa, escola e pessoas, uma doença misteriosa transforma todos os coelhos em monstros assassinos que transformam o feriado num...