CAPÍTULO VI - O QUE ELE DISSE.

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Antes: Felipe tem um momento carinhoso com sua mãe, depois de um dia ruim. Ele sai para um encontro com sua nova amiga, Melissa e acaba cuidando da coelha dela.

Agora:

Estava voltando para casa segurando a gaiola de Orelhuda quando ouvi algumas vozes exaltadas. Desviei um pouco na direção do som e vi um grupo de rapazes reunidos num pequeno campo ao longe. Me aproximei deles, devagar. Estavam divididos em dois times, sem camisa e com, pareciam muito engajados em sua disputa. Cheguei ainda mais perto, apesar dos acontecimentos recentes, eu ainda adorava jogar futebol e saber que tinha uma campinho tão perto de casa era muito interessante.

Reconheci alguns garotos da escola, um em particular me chamou a atenção. Me lembrava bem do rosto dele não apenas por ser irritantemente bonito como também por pertencer ao cara que havia me derrubado mais cedo na escola, loiro-padrão. Ele corria com a bola, estava sem camisa exibindo um peitoral levemente definido. A pele bronzeada jazia coberta por gotículas de suor. Vê-lo me fez ficar dividido; de um lado, minha mente carregava o ressentimento pelo jogo e pelo que ele fez lá; mas de outro, o meu corpo idiota insistia em ficar quente e meu coração em bater mais forte.

Era uma mistura de ruim com bom muito incômoda.

De repente, uma ovação. O loiro-padrão tinha feito um gol. Seu time comemorou enquanto o outro apenas bufou. Pareciam irritados, mas não surpresos, eles se afastaram para beber água. Quis me aproximar deles, tentar entrar no time e ter minha revanche contra o protótipo de Capitão América, contudo ouvi um "oi" a meu lado e dei um pulo quase derrubando Orelhuda no chão. Saído do absoluto nada, o loiro-padrão se encontrava diante de mim.

― Seu nome é Felipe, né? ― perguntou ele.

Encarei-o por um instante. De perto e sem dor, ele era ainda mais bonito. Até o cheiro dele era gostoso, mesmo suado. A surpresa por pouco me fez esquecer que não gostava dele. Por pouco.

― O que você quer? ― rebati com uma voz altiva.

― Ok, eu entendo que você não é muito meu fã ― sua voz tinha um tom aveludado agradável aliado a um sotaque desconhecido. ― Olha, eu só queria pedir desculpa por hoje, tá? Às vezes quando eu tô jogando fico meio loco, mas não é nada pessoal, desculpa mesmo.

Pensei bem antes de responder. Era bem legal da parte dele se desculpar daquele jeito e embora tivesse sido um momento doloroso de várias formas, se machucar fazia parte do jogo. É um risco que todos corriam no fim das contas, eu não podia esperar que fosse diferente para mim. Respirei fundo. Modulei minha voz da melhor forma possível e falei:

― Tá ok! Não foi nada.

Ele sorriu, ao fazer isso, percebi que um de seus dentes era torto. Aleluia, pensei, ele não é perfeito, graças a Deus.

― Tu não vai acreditar no que aquele piá do djanho do Mateus acabou de inventar ― disse uma outra voz bem estridente.

Me virei para ver quem falara. O dono da voz era um garoto afro-brasileiro alto e magro com longos cabelos pretos encaracolados que jaziam presos com um lacinho. Assim como o loiro-padrão, estava com o peito o nu, porém o seu não era musculoso. Uma barba rala lhe cobria a bochecha.

― O que foi, Demétrio? ― indagou o loiro-padrão.

― Aquele traste ganjento inventou de ir embora pra ― ele fez aspas com os dedos e imitou a voz do tal Mateus. ― "Ir no médico porque tava achando que quebrou o tornozelo"!

― Capaz mesmo! ― devolveu o loiro-padrão, descrente. ― Ele jogou mais meia partida depois de cair.

― Tão, foi o que eu disse! ― por algum motivo, eu estava achando aquela conversa engraçada. O jeito como o outro falava era o principal motivo. ― Mas ele tá indo ver a namorada, eles tão com medo dela tá buchuda. Já hojinho eu ouvi ele mandando um áudio perguntando se ela comprou o teste.

APÁSCOALIPSEOnde histórias criam vida. Descubra agora