CAPÍTULO IX: PERNAS PRA QUE TE QUERO!

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Antes: Felipe ainda foge dos monstros, dessa vez em um táxi, mas descobre que eles estão por toda a cidade e o carro acaba batendo.

Agora:

Não sei dizer quanto tempo ficamos parados ali com metade do carro dentro de um prédio, aparentemente uma floricultura, mas foi a primeira vez que consegui realmente parar para pensar desde aquele maldito dia tinha começado. Minha cabeça doía assim como boa parte do corpo. Claro que os machucados eram só parte dos problemas, além do mais eu sabia que ainda conseguiria fugir a pé se necessário, a grande coisa, aquela responsável por minha dor de cabeça, era, em resumo, frustração. Frustração por ser tão burro, por não conseguir entender o que estava acontecendo. Ontem estava tudo bem e em menos de 24 horas, vi pelo menos duas pessoas serem devoradas por coelhos gigantes além de eu mesmo quase entrar nessa conta.

Coelhos gigantes comedores de gente.

Nem no meu sonho mais viajado, nem no universo mais aleatório da coleção What if da Marvel, nada, jamais, deu o menor aviso sobre alguma coisa assim. Sim, havia o filme "A Noite dos Coelhos" mencionado em "Todo Mundo Odeia o Chris" e aquela animação de massinha com um coelho gigante (que me dava medo, por sinal), mas o que além disso?

Um apocalipse zumbi, tudo bem, contudo o que esperar de um apocalipse coelho?

Nada mais fazia sentido. Eu estava mais uma vez entrando em parafuso. Apertei os olhos com bastante força. Precisava focar. Me dar um norte. Por mais que literalmente cada coisa ocorrida após eu acordar naquela manhã parecesse uma viagem muito aleatória do tipo que me faria fazer uma visitinha ao PROERD, o perigo era real. Eu o senti na pele. Verdadeiro demais para ignorar. Desistir já não era uma opção, meus pais estavam por aí, tinha que encontrá-los e não deixaria que nada, muito menos um coelhão metido a besta, fosse capaz de me parar.

Abri os olhos já mais calmo.

Sem tantos grilos cricrilando na minha cabeça, notei que o taxista murmurava alguma coisa. Não foi foi preciso muita habilidade de dedução para concluir que se tratava de uma oração. Esfreguei as mãos. Uma parte minha bem que queria recitar as rezas que aprendi com minha avó, mas minha parte lógica, herdada de meu pai, se recusava a usar isso ― exceto como último recurso. Minhas pernas haviam voltado a balançar freneticamente, resultado de meu cérebro trabalhando. Agora tinha que bolar um plano para me salvar daquela confusão toda. Estava começando a formular alguma coisa sobre explorar a loja que o carro destruiu quando algumas pessoas passaram correndo pela rua.

Estávamos bem no centro da cidade, de frente para várias outras lojas e uma avenida, portanto aquilo não era tão estranho, ainda mais considerando o cenário geral das coisas, entretanto ficou assim que mais gente passou e depois mais outras e mais até revelar-se uma multidão em fuga. Os passos deles pareciam até um terremoto. Produziam um estampido que lembrava o de uma boiada estourando. Franzi o cenho, não podia me considerar um especialista, mas tinha a leve impressão de que somente eles não eram capazes de produzir um som tão alto.

― Ah, não! ― disse em voz alta. O motorista ergueu a cabeça, olhou para mim, depois para a frente e prendeu a respiração.

Havia uma horda com dezenas de coelhões perseguindo as pessoas.

Foi como assistir um filme de terror trash ao vivo. De onde estávamos, dava para ver tudo quase como uma televisão, de fato. Os coelhões saltaram destruindo a vantagem das pessoas em questão de segundos e então desabaram sobre elas como uma felpuda montanha de concreto. Era bizarro fazer essa comparação, mas não tinha como não lembrar daquele jogo de estourar espinhas, só que as espinhas eram seres humanos e o pus, a poça de sangue que eles se tornaram debaixo das patas dos coelhões. Logo os gritos começaram a ecoar. Frenéticos, nascidos da pura agonia. Parecia muito uma dose do que seria o inferno ― uma parte que a bíblia esqueceu de mencionar.

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