CAPÍTULO XXXVII: AMIGOS DO OUTRO LADO

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ANTES: Consumido pela culpa ao se julgar responsável pelo ataque ao grupo, Samuel foge de seu grupo. Felipe tenta encontrá-lo com seu poder, mas falha por não conseguir focar suas emoções. Após despedir-se de Sérgio, prepara-se para partir com a ajuda de Dourado.

AGORA:

Olhares curiosos e esbugalhados ergueram-se para a grande fera de pelos dourados. O coelhão aproximou-se devagar, nas quatro patas, uma expressão de felicidade e língua de fora. Parecia um cachorrinho feito de músculos. Fiz carinho na cabeçorra, as orelhas moveram-se sistematicamente. Ri com a cócega delas em meu queixo. Como prova de amizade. Dourado deitou no chão. Com a simplicidade de quem amarra os cadarços, joguei-me nas costas da criatura. Os outros encaravam a cena, boquiabertos.

― Podem vir ― chamei. ― É seguro.

Érico e Arantes obedeceram, em guarda. O soldado usava seu velho uniforme, embora claramente tivesse tomado banho. A grande arma em suas costas emanava uma luz escarlate tal qual fumaça. Notei algumas esferas prateadas em seu cinto, aquilo era novo. Meu Érico tinha um acessório parecido onde encontravam-se duas pistolas, versões menores da arma do tio. O mais interessante, com certeza, eram os cabos do lança-chamas serpenteando pela jaqueta preta. Me perguntei se era o mesmo de Angélica que alguém consertou. Eu era o menos poderoso dali, sem dúvida, afinal tinha Mini, o machado. Karl, o martelo e Marx, a foice. Isso junto de poderes que não funcionavam... Tsc.

Respirei fundo. Muito tarde para síndrome do impostor.

Os dois, relutando até o último segundo, subiram nas costas de Dourado. Érico próximo a mim. Arantes por último. Demétrio aproximou-se do coelhão com a antiga roupa da Samuel, a mesma onde o encontrei. Dourado farejou a peça longamente. Em seguida, olhou para mim com o olho do topo da cabeça e assentiu. Suas orelhas apontaram para cima. A criatura começou a levantar em seus, chutando baixo, quatro metros. Agarrei-me em seu pelo, certo que não o machucaria. Os outros fazendo o mesmo.

Senti uma vibração crescente debaixo de mim.

― É melhor segurar muito firme ― sugeri.

― Por q... AAAAAAAHHHH!!! ― Érico foi interrompido quando Dourado saltou com toda a sua monstruosa força.

A gravidade fez seu trabalho. A pressão forçou-me para trás violentamente. Se Érico e Arantes não estivessem lá para amenizar o impacto, eu teria caído. O vento soprava furioso. Um mero zumbido incompreensível nos ouvidos. O céu se aproximava depressa. Sentia que podia tocá-lo. Foi uma distância impressionante em segundos. De repente, um tranco. Dourado aterrissou no topo de um prédio. Sons de respiração ecoando. Ele estava procurando pelo cheiro de Samuel. Encarei a vista da cidade. Aquele devia ser o maior edifício de Nova Algar, tudo parecia minúsculo abaixo de nós. As ruas abandonadas, vermelhas com sangue dos mortos, casas, histórias, vidas destroçadas onde quer que se olhasse.

Ao longe, era possível ver coelhões causando caos. Talvez um ou dois gritos. Mordi o lábio. Era difícil virar a cara, mas igualmente necessário. Deus, e se fosse meu Samuel lá? E se todos virassem a cara para ele. Tudo ganha uma nova figura quando há pessoas as quais você ama, em jogo.

Dourado rosnou em aprovação. Me preparei para outra viagem da montanha russa de carne. O coelhão saltou novamente. Não tão alto, porém, muito mais depressa. Os prédios tornaram-se borrões. Pensar era quase impossível. Dourado usou os prédios para mudar a direção dos saltos e controlar a velocidade. Correu pelos tetos parcialmente destruídos, pulou sobre pontes partidas sem parar um instante. Érico soltou uns barulhos estranhos da barriga. Não podia culpá-lo, não tem parque de diversões no mundo que prepare alguém para isso. Na verdade, eu também estava começando a enjoar quando me dei conta de estarmos fora da cidade. Na floresta.

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