CAPÍTULO XXXIX: OS PORTÕES DO CAOS

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ANTES: O grupo elabora um plano para fugir da cidade com Demétrio no controle. Ao assassinar guardas e roubar seu veículo, Felipe junto de Érico e outros seguem para o complexo da N-life enquanto Suelen e Demétrio separam-se para manter o plano.

AGORA:

O hospital estava ainda mais morto que antes. Cada passo longe da sala de espera e das vozes animadas em criar o Grande Plano, era como mergulhar profundamente nas trevas. Havia com que se distrair, é claro. As luzes piscando graças a pouca energia restante, o verde pálido pintando as paredes, o som da eletricidade correndo por fios gastos, o cheiro do sangue impregnado por toda a parte, rostos desfalecidos das pessoas no segundo andar e os grunhidos guturais dos zumbis no terceiro. Tomei algum tempo para checar as expressões mutantes de cada um deles. Homens esguios com membros tortos e presas, que não eram meu pai. Mulheres esqueléticas com brotoejas escarlates no lugar dos olhos que, certamente, não eram minha mãe. Meninos, Samuel não, ostentando orelhas de coelho e batendo-se contra uma porta a qual não abriria.

Sessenta e dois mortos no total. Não conhecia um sequer, mas, honestamente, não sei se me fazia sentir tão bem assim. Dado o que estava prestes a fazer, deixar para trás qualquer possibilidade de reencontrá-los, talvez preferisse ter a chance de dar-lhes um fim digno ― Um velório decente. Preces falsas, embora necessárias. ― do que partir com aquele sentimento de culpa a me perseguir para sempre. Podia senti-lo apertando meu peito enquanto conversava com Sérgio.

Não foi fácil ir até ele de mãos abanando depois de prometer trazer nosso irmão de volta. Também não saberia dizer qual de nós chorou primeiro. No segundo seguinte, estávamos nos braços um do outro. Um abraço apertado na tentativa de compensar a falta de Samuel mantendo nossos corações o mais próximos possíveis. Ficamos assim por muito tempo. Poderiam ser horas, para mim não importava. Quando tomei coragem para afastá-lo, encarei seus olhos chorosos e tentei meu melhor para explicar a situação sem aumentar seu pânico. Pulei a parte da prisão, algemas, etc. Sérgio apenas precisava saber que Samuel foi levado pelos caras maus, porém, eu não o deixaria lá.

A inocência era uma dádiva, de fato. Queria eu poder simplesmente acreditar em outra pessoa para carregar meus sonhos. Não, pensando bem, jamais desejaria isso. Contar com minha própria capacidade, incluindo a de fazer aliados, estava entalhado no meu ser. Com o tempo, mesmo Sérgio precisaria aprender tal coisa, contudo, não agora. Por enquanto, ele merecia aproveitar o resto de infantilidade que lhe restava.

Não houve muita conversa depois disso. Engatamos uma partida de vinte e um com cartas que o próprio garoto desenhou na minha ausência. Embora eu tivesse prometido não usar meu dom, Sérgio tentava esconder as cartas na roupa e olhar rapidamente para elas antes de jogar. Eu estava a caminho da minha sexta derrota quando Áster bateu na porta. Beijei a testa do garoto. Ele, por sua vez, uniu as mãos abertas usando o polegar. A borboleta/pomba desengonçada da qual lhe falei. O sinal do meu pai para "família". Imitei-o, sorrindo, antes de deixá-lo.

Áster e eu seguimos pelo corredor escuro, em silêncio exceto por nossos passos assoviando no chão. Havia muita coisa a ser esclarecida entre nós. Me questionei por onde começaríamos. Ela abriu a porta da escadaria para o terceiro andar e gesticulou para mim.

Ergui a sobrancelha.

― Você vai me contar o que pretende com isso ou eu não posso saber sobre a backroom até entrar na backroom? ― perguntei.

― Eu só quero conversar ― disse ela. ― Bom, acho que preciso conversar com você.

― E não pode me contar aqui mesmo, por que... ― franzi a testa.

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