Lizzy
Havíamos fechado o café há alguns minutos. Tranquei tudo e nós três -vovó, Rebeca e eu -subimos para nossa casa. A casa era tão pequena e aconchegante quanto o café. Um sofá vermelho desbotado contrastava com a parede amarela cor-de-xixi. Alguns quadros enfeitavam a parede.
Minha avó chegou ofegante. Eu e Rebeca nos apressamos para segurá-la.
-Está se sentindo fraca? -O tom de preocupação na minha voz era evidente.
-Relativamente. -Minha avó responde, mas logo nos afasta. -Preciso tomar banho. Vão fazer suas coisas, crianças.
E entra no seu quarto, com banheiro particular. Olho para Rebeca, que dá de ombros.
Aquele pequeno apartamento tinha dois quartos, e enquanto minha avó tinha um só pra ela, eu e Rebeca dividíamos o segundo.
-Meu ex estava mandando mensagem. -Ela diz sentando à sua cama.
-Sério? -Retruco. -Pensei que você tinha dado um basta.
-Tinha, mas acho que ele não entendeu. -Ela dá de ombros pegando sua toalha. -Vou tomar banho.
-Tudo bem. -Digo, enquanto tiro os sapatos.
Rebeca sai do quarto e eu deixo meu celular na cama. Pego minha toalha e saio do quarto, indo até a cozinha. Abro a geladeira... Hoje o jantar é... Olha que surpresa: R.O. de novo (Resto de Ontem).
Comecei a esquentar a comida, enquanto ouvia ambas tomando banho. Coloquei a mesa e logo minha avó surgiu, já de banho tomado.
-R.O.? -Ela pergunta, se sentando.
-Sim. -Pego uma caixinha de remédios. -E para você também tem balinhas. Olha que legal!
-Argh! -Minha avó resmunga pegando a pílula.
-Sem cara feia! -Murmuro.
Minha avó revira os olhos, engolindo os medicamentos do seu tratamento. Aquela era a última caixa de remédios dela, e eu precisava comprar mais. Ignorei esse fato para não preocupa-la, mas assim que jantasse eu voltaria para o celular procurando alguns outros anúncios bons o suficiente.
-Hum... -Murmurou Rebeca ao sair. -R.O.
-Ainda bem que já saiu. -Disse passando por ela, indo em direção ao banheiro.
Liguei o chuveiro daquele pequeno banheiro e logo tomei um banho que não durou mais de cinco minutos.
Saí e fui pro quarto me vestir, e quando voltei ambas estavam atacando o R.O.
-Obrigada por me esperarem. -Disse me servindo da macarronada.
-Estava com fome. -Rebeca disse com a boca cheia.
-Ela vive com fome. -Minha avó implica.
-Tudo bem. -Disse já com o prato feito. -Sem guerra de comida hoje. -Digo em aviso. A última vez que teve guerra de comida, eu havia feito almôndegas e as marcas que deixaram na parede ainda estavam lá.
-Certo. -Minha avó respondeu, em seguida voltou a me encarar. -Então, já encontrou outro namorado?
-Não, vovó. -Digo, rápido demais.
-Faz tempo desde que aquele senhor veio buscá-la. -Minha avó murmura.
Sim. Fazia. Um cliente havia vindo até a minha casa para nosso "encontro". Pensei que minha avó estaria dormindo, mas não estava. E, desde então, só falava nisso. Obviamente ele não era da minha idade. Talvez nem da idade dela. Era um homem com idade extremamente avançada. Não que eu só me inclinasse para aceitar pedidos de homens mais velhos, mas com eles era mais simples. Eles nem sempre queriam sexo. Apenas companhia. E claro o dinheiro... sempre generoso.
-Você está ficando com homens mais velhos? -Ela pergunta.
Rebeca apenas enche a boca com macarrão para continuar calada, sem se envolver na conversa, a traidora.
-Vovó... -Suspiro. Como explicar? Ela nunca entenderia. -Não quero falar nisso.
-Acho que precisamos, pelo menos... -Ela faz uma pausa. -Não está querendo dar o golpe da barriga em ninguém não é?
-Vovó!
-Apenas me preocupo com você. -Ela diz. -Não precisa casar com um velho rico pra cuidar de mim. -Ela põe a mão em cima da minha, querendo me transmitir paz.
-Não vou casar com ninguém. -Digo. -Nunca.
Aquilo era verdade. Nesses anos em que trabalho como acompanhante já vi todos os tipos de homem. Não queria passar o resto da vida com nenhum deles. A maioria é egocêntrico e veem a mulher como um rosto bonito. Se ela souber falar, melhor, mas não esperam mais que isso.
-Claro que vai casar! -Minha avó da um tapinha na minha mão, a fazendo recuar. -Só precisa de alguém que acompanhe você na sua quimioterapia...
-Vovó! -Resmungo. -Que quimioterapia?
-Os meus genes ruins também estão em você. -Ela dá de ombros.
Reviro os olhos.
Rebeca sorri com a boca suja de molho.
***
Depois que lavamos as louças e demos boa noite à vovó, eu e Rebeca nos jogamos nas nossas camas.
-Dia longo. -Ela murmura.
-E você nem pra ajudar com ela... -Murmuro colocando o braço em cima dos olhos.
-Da última vez em que nós duas estávamos discutindo a sua parede ficou marcada com almôndegas. -Rebeca se defende.
Eu disse!
-Certo. -Digo, suspirando. -Cadê meu telefone?
-Acho que você deitou em cima. -Ela diz, já pegando seu lençol e cobrindo-se.
Rolo ainda, tateando a cama e enfim, encontro. Desbloqueio a tela do celular e assim que abro o aplicativo, fico boquiaberta.
-Puta merda! -Solto e em seguida tapo a boca.
-Que foi? -Ela levanta a cabeça, curiosa.
Então mostro a tela do celular.
Lá estava:
Liam: Boa noite, senhorita. Espero que não seja tão tarde e, se for, peço desculpas desde já. Eu vi que demonstrou interesse na minha oferta. Obviamente devemos conversar mais sobre o que a proposta inclui e também seu preço para o serviço. Peço que me encontre amanhã para um almoço, ou talvez um jantar. Minha agenda está disponível para estes dois horários. Aguardo sua resposta o mais breve possível. Att. L.
-Ele te chamou de senhorita. -Rebeca guincha.
-É claro. Eles são ricos e refinados. -Volto a encarar a tela. -Mas... Hum... -Penso por um momento. -Por quê será que ele não aceitou a outra acompanhante?
Rebeca compartilha da minha cara confusa:
-Talvez ela não seja tão linda quanto você. -E então ela sorri.
-Hum... -Encaro a tela de novo. -Deve ser outra coisa. Vou responder.
-Vai aceitar? -Ela pergunta, relativamente animada.
-Dependendo a proposta, e dependendo do quanto ele está disposto a me dar... -Dou de ombros já começando a digitar a mensagem.
Já era quase meia-noite. Ele talvez estivesse dormindo. Mas não importava, eu iria encontrá-lo. Não podia mais me dar ao luxo de escolher clientes. Tampouco de não aceitar trabalhos. Não quando as contas estavam se acumulando aos montes. Eu precisava fazer aquilo.
Lizzy: Boa noite, senhor. Fico muitíssimo grata com a proposta. Amanhã seria ótimo. Pode escolher o horário, e me enviar o local. Eu agradeço a confiança. Xoxo, Lizzy.
Envio.
Hum... "Xoxo, Lizzy"? Que patético.
Desligo a tela e me deixo adormecer.
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Precisa-se de uma esposa
RomanceLiam precisa de uma esposa. No testamento do seu pai havia uma cláusula muito específica que dizia que ele precisava casar. Liam sequer tivera uma namorada. Durante seus trinta anos, jamais conseguiu desenvolver sentimentos por qualquer pessoa for...