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Liam

Lizzy estava animada enquanto contava que minha mãe amou tanto suas guloseimas que encomendou um banquete inteiro para o piquenique.

Aquilo me alegrava, mas havia um ponto importante do qual não falamos e que estava me incomodando há dias.

-... Ela disse que pareciam nuvens doces que derretiam na língua. -Disse Lizzy, entusiasmada.

Eu apenas a escutava. Não iria interrompê-la.

-O que foi? -Ela pergunta. -Está muito sério.

De fato eu estava sério. 

-Você devolveu o dinheiro que eu te mandei. O dinheiro do nosso acordo. -Digo. Não estava gritando, apenas não estava feliz com aquilo. Eu havia entregue a ela porque ela precisava!

-Ah. -Ela se encolhe. -Liam, eu não podia ficar com seu dinheiro. 

-Era nosso acordo. -Eu já estava parecendo uma criança. Protestaria. Seja qual for o motivo dela ter devolvido, não podia ser válido.

-Você não me pagou para amá-lo. -Confessa, o que me surpreende. -E já como eu estou te amando, talvez eu tenha quebrado o acordo. O dinheiro não é meu. 

Aquilo, não nego, aquece o meu coração. 

-E suas contas? -Me lembro.

-Está brincando? -Ela se levanta e começa a rodopiar. -Sua mãe encomendou e pagou adiantado. Eu estou quase rica. -E ri, cobrindo sua boca.

Me permito, enfim, sorrir.

-Que imensa sorte a minha. -Murmuro.

Ela então vem até mim, deitando no meu peito e se aninhando ao meu corpo.

-E como estão as coisas na empresa? -Ela pergunta, fazendo cominho pelo meu peito com a ponta dos dedos.

-Hum. -Penso um pouco. -Estão bem, pra falar a verdade. Pelo que vejo, está tudo bem. Loren está... melhor, pelo que vejo. Mamãe aparece com menos frequência e Paul continua cabisbaixo. -Confesso. -Ele nem me chamou pra beber essa semana inteira. Nenhum dia.

-Mas você sairia? -Ela ergue o olhar.

-Claro que não. Mas ele não chamou e isso é estranho. -Digo e ela ri.

Ficamos em silêncio por um tempo.

-E o testamento? -Ela pergunta. 

-Paul já entrou com os papéis, já estou solicitando minha parte. -Digo e esfrego os olhos. -Isso vai ser chato.

-Imagino... -Ela sussurra. -Mas agora estamos juntos e de verdade. Não temos o que temer.

-Não. -Digo e a puxo pra perto. 

Eu não tinha o que temer, mas mesmo assim ainda tinha coisas que eu temia. Eu a temia.

***

Eu ainda estava acordado, olhando para o teto, enquanto Lizzy dormia em sono profundo. Minha cabeça voava em diversos assuntos.

Primeiro: eu achava estranho o fato de o jantar com a família dela ter ocorrido super bem. Eu me senti ótimo, na verdade, o que me deixou ainda mais encucado com a possibilidade deles suspeitarem a minha... hum... minha condição. Meu autismo. Droga. Odiava pensar sobre meu autismo. Mas aquelas pessoas foram educadas demais. E era, sim, estranho aquela mudança.

Segundo: O testamento; a solicitação da minha parte e, consequentemente, o cargo de chefe... estava tudo bem. Bem demais. Não pensei que Zack largaria o osso e, aparentemente os advogados não estavam querendo interferir. Estavam calados e não mostraram quaisquer resistência. Eu sabia que iria até o juiz e eles iriam. Isso me causava arrepios, só de pensar.

Terceiro: tudo estava calmo demais. Se encaminhando para um lugar de puro deleite. Eu estava em paz e tudo ao meu redor.

Mas, mesmo que depois da tempestade venha a calmaria, consequentemente depois da calmaria não vem a tempestade? 

***

A manhã na empresa estava muito mais que movimentada, minha irmã, estava em sua sala, reclusa, apenas saía vez ou outra, mas eu não a via com frequência e, para ser mais estranho, alguém bateu à porta, e depois que dei passagem, vi Paul.

Paul nunca batia à porta. Não podia ser mais estranho?

-Trouxe os documentos que me pediu. -Ele entregou as pastas e já estava de saída.

Tive que interceder. A conversa não era agradável, mas ele só tinha à mim. Por ele faria um esforço.

-Paul. -O chamo e ele para. -Precisa conversar.

A cara dele era confusão e um toque de incredulidade.

-Você quer conversar? -Ele pergunta, surpreso. -Você não conversa. 

-Não, mas posso escutar; e sinto que você quer desabafar, então sente-se. -Indiquei a cadeira em frente a mesa e me desliguei do computador, dando atenção total à ele. 

Paul sentou-se, ainda cabisbaixo. Meu primo sempre foi a alma do lugar; brincalhão, divertido, nunca cabisbaixo. Algo no meu coração doeu e eu não sabia exatamente o quê. Provavelmente o miocárdio, mas eu não podia pensar nisso agora.

Paul continuou calado por um longo tempo, e eu não apressei que ele dissesse algo.

-Rebeca terminou comigo. -Diz meu primo.

-Eu soube. -Murmuro. -Porquê ela terminou?

-Eu não sei. -Ele responde, e realmente pude ver em seu olhar que ele estava mais confuso que eu. -Naquela vez que levei ela ao meu apartamento, quando tentei tocá-la... ela simplesmente desviou. E depois chorou... e me olhou como se eu fosse machucá-la e... puta merda, algo em mim doeu quando vi seus olhos.

-Por quê?

-Porque ela tinha dor nos olhos. -Ele diz, ainda confuso. -Ela parece estar... traumatizada.

-Abusaram dela? -Pergunto e os olhos de Paul se arregalam.

-Sinceramente eu não sei. -Ele olha ao redor. -Ela parecia tão frágil. Chorou. Pediu desculpas e simplesmente se foi. Eu voltei lá no café e ela novamente me mandou ir. E não respondeu minhas mensagens, não quis falar comigo...

Ele solta um suspiro.

Aquilo sim era uma situação complicada. Eu não poderia mandar ele ir falar com ela, porque, obviamente, ela não queria falar com ele. Aquilo era complicado mesmo.

-Você não conseguiu falar com ela? Nem vê-la?

-Não. -Ele murmurou.

-E gostaria disso?

-De vê-la? É claro! -Ele diz. -Sei que vai soar bem bobo e idiota, mas, Liam, ela me entendeu. Quando eu realmente... falei e me abri com ela, ela me entendeu. Mulher alguma chegou perto disso. Eu senti de verdade o nosso laço, nossa conexão. Ouso dizer que é como você e Lizzy e, por Deus, estou desesperado e desamparado. Eu quero realmente falar com ela, chegar até ela, mas não vejo como, não vejo meios. Ela me repeliu e me afastou rápido demais.

Eu entendia a sensação, o sentimento. Não suportaria que Lizzy se afastasse de mim.

-Vá ao piquenique. -Disse.

-QUÊ? -Ele falou alto.

-Lizzy vai levar Rebeca até o piquenique. Provavelmente em algum momento vocês se esbarrem e conversem. -Digo. -Cara, é melhor sempre conversar, e eu entendo que ela não quer conversa, porque na maioria do tempo eu também não quero, mas a conversa é necessária. E, se o que disse é verdade, se pode surgir de vocês um sentimento puro e forte, como eu e Lizzy, eu vou tentar ajudá-los. Não vou te desamparar. Você não é só um primo. É meu irmão!

Paul começou a piscar e pude ver seus olhos ficarem húmidos. Eu precisei me segurar para não pegar o celular e tirar uma foto. Mas eu entendi o sentimento dele. Dessa vez, eu entendia.

-Você é incrível. -Falou, se levantando e me abraçando. -Vou àquele piquenique idiota. Pode apostar!

E depois que o afastei, Paul saiu da sala, alegre, dessa vez. Ele estava saltitando, quase. Sorri com aquilo. Eu era bom em conversa, afinal.

Precisa-se de uma esposaOnde histórias criam vida. Descubra agora