Fᴀɴᴛᴀsɪᴀs

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❝Mas eu estava transbordando com um silêncio que eu não sabia como quebrar. ❞

- Marya Hornbacher

Cᴀᴘɪ́ᴛᴜʟᴏ Oɴᴢᴇ

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Nova York, 30 de março de 2018.

A água fria entrava em contato com o corpo cansado de um rapaz que, apesar de não o admitir, estava tão perdido como os que o rodeavam. Ari respirou fundo, jogando seus cabelos molhados para trás, fechando depois os olhos para tentar concentrar-se em algo para além dos seus pensamentos incessantes.

As frases ríspidas de Jeremy que lhe eram lançadas todos os dias lhe causavam certo efeito, mesmo que ele tentasse mostrar perante o homem que estava impecavelmente inabalável pelos seus insultos. Algumas vezes tentava redarguir, noutras apenas se calava, observando o resto da sua autoestima desmoronando na sua frente.

Mas no meio de todo aquele caos, havia Lin, que mesmo sem fazer ideia, era sempre capaz de lhe trazer um sorriso à cara. As suas ironias, a forma como sempre tentou conter o riso pondo a mão à frente da boca, ou as vezes em que lhe atirava o seu "olhar mortal" cada vez que fazia algo contra o que pensava ser correto na ocasião.

E, mesmo que tenha sido apenas algumas vezes que o viu abrir um sorriso naquele rosto carrancudo, era como se ele sempre estivesse na sua mente. Podia enumerar e recontar inúmeras vezes, detalhe por detalhe, o que sentia quando o via sorrir. Era algo tão genuíno, como se pudesse vê-lo de forma nua e crua, o homem que ele escondeu atrás de todas as camadas de trauma e medo que lhe cegaram e serviram como forma de refúgio e prisão.

Ele ainda não falava nada sobre o seu passado, e sempre que comentava sobre o seu falecido irmão, uma expressão triste tomava conta do seu rosto e persistia durante muito tempo, mesmo que ele mudasse imediatamente de assunto. Era extremamente retraído, o que entrava em conflito com o seu jeito direto de falar, no entanto, o bem-estar de Lin numa conversa era algo mais do que necessário, por isso não se importava de ter de segurar a língua e apenas ouvir quando estava pronto para lhe contar alguma novidade.

Mas, embora adorasse vê-lo sorrir e divertir-se quando estava consigo, também ansiava por um contato mais íntimo, disso não podia negar. Gostaria de ver tudo o que achava de mais inseguro em seu ser e mostrar-lhe o quão belo era. Sabia que possuía cicatrizes, era uma verdade indubitável, mas estava pronto para abraçá-las e aceitá-las como um todo. Faziam parte do passado de Lin, e, quem sabe, do seu presente também, por isso não era possível amar aquele homem sem amar as cicatrizes, as falhas, as inseguranças, tudo.

Por vezes ele imaginava como seria ver Lin à sua frente, completamente à vontade com a sua presença. Sem medo de aproximar-se, e nem se afastando com o mínimo toque abrupto.

Daria de tudo para ter esse momento a sós com Lin. Observaria as suas expressões, veria o tom ligeiramente arrogante e irônico dissipar-se e revelar-se como alguém sensível, disposto a tentar. Sabia que, no fundo, ele era assim. Tinha visto este lado quando o viu descer da beira do telhado, quando sentiu as suas mãos trêmulas irem para as suas costas e abraçá-lo como se fosse a única plenitude no meio do caos.

Mal podia esperar para ver seu cabelo bagunçado, mas não pelo vento, não porque havia se esquecido de penteá-lo ou coisa parecida. Gostaria de vê-lo um caos. Ver a sua postura redundante simplesmente desmoronar-se e vê-lo, em vez disso, implorar. Implorar por um toque. Ouvir a sua voz baixa e cansada sussurrar no seu ouvido, como gostaria de o ter. Como gostaria de senti-lo.

Quando as Luzes se ApagamOnde histórias criam vida. Descubra agora