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Eu sou uma pessoa conhecida dentro dos corredores da escola.

E isso não se deve ao fato de eu ter ganhado o campeonato de matemática na sexta série ou ter sido nomeada a melhor na leitura oral do quarto ano.

Não, eu sou a ex queridinha que agora carrega uma barriga de sete meses a qual ocupa uma vida. A que cabia num 36 e agora só passa por calças de moletom e camisetão. A que ganhou estrias e perdeu amigos, dores nas costas e um ex-namorado. Yup!

Tenho que dizer. É uma droga ser tirada da zona de conforto por um erro. Mas aconteceu, e agora eu lido com essa merda toda.

Eu não sei se já gosto do meu filho. Eu nem mesmo dei um nome a ele.

Mas certamente não o odeio.

É só...difícil de saber o que eu quero. Ou se eu quero alguma coisa.

É o que eu digo a minha terapeuta e xará, Ana, toda semana.

— O que você quer, Ana Julia?

Penso. Tento lembrar.

Mas tudo que minha mente idealiza é uma cama quentinha e batatas-fritas.

— Ir para casa.

No fim das contas é só onde eu fico.

Eu, o bebê e minha consciência.

— Planos para o fim de semana? – Minha amiga, Cacau. – a única que restou, apesar de eu achar que ela transe com o progenitor do meu filho – pergunta;

— Sim.

Sou ótima em ser monossilábica.

Não tenho planos. Mas sei que ela vai querer me arrastar para alguma social. ("Reunir a galera"). Patético.

— Quais? – levanta as sobrancelhas, esperando motivos bons o bastante para uma recusa.

— Tenho consulta no sábado e vou ajudar meu pai com algumas coisas no domingo.

Sua reação pouco agradável atrai olhares no refeitório.

— Besteira! — Exclama. — Está procurando pretextos para não se divertir. Acorda, amiga! Você tá um horror.

Mordo o interior da bochecha, murmurando:

— Obrigada. – Sem olhá-la diretamente.

— E não adianta dizer que é mentira. – Aponta a colher de pudim em minha direção. — Olha para você, gorda e com espinhas. Não é porque está grávida que tem que se afundar na merda!

Não estou gorda. Meus quadris estão largos e minha bunda maior, mas de longe continuo dentro dos "padrões". Gorda, para Cacau, é não pesar os 52 quilos que ela pesa.

Em relação as espinhas não posso negar.

— Vamos ao salão. – Sugere empolgada.

— Não tenho dinheiro para salão.

Para minha sorte, meu pai não virou as costas para mim mesmo depois do fatídico dia em que lhe mostrei o teste de farmácia. Ainda assim trabalho igual um burro de carga depois das aulas.

Ela inclina a cabeça, fazendo um biquinho exagerado.

— Que pena.

Ela não sente de qualquer forma.

— Cacau, vem só ver esse vídeo!

Da outra mesa um dos meus antigos amigos chama. Ela se levanta empolgada e vai aos pulos de canguru. A mesa a qual costumava ocupar está cheia como sempre, e ele é a ascensão. O cara que me levou para a cama, fez um filho em mim e se mandou. Theo.

Ele é lindo, lindo e popular demais para "aguentar essa barra".

Olhos azuis, cabelo loiro. Modelo júnior e muito rico.

É lógico que os pais dele vão pagar pensão assim que o bebê nascer, eu não sou tão burra ao ponto de deixar esse mimadinho arrogante me virar as costas de mãos atadas. Esperava que não fosse assumir suas responsabilidades como pai, nem nosso relacionamento ele assumia, então fui a casa dele assim que descobri a gravidez.

Foi um alvoroço.

É por isso que hoje ele me odeia. Lembro-me bem de sua mãe aos prantos e seu pai furioso.

Não me arrependo, no entanto.

Theo não vai ver o bebê, ele não quer e já deixou isso claro ao espalhar para todos que eu lhe dei o golpe da barriga para roubar sua fortuna.

Ele merece ser negligenciado.

Pego minha mochila e me mando antes que Cacau lembre-se que me deixou sozinha e tente me puxar até lá.

(...)

Depois de um tempo as aulas se tornam monótonas e tediantes.

Maior parte do tempo ocupo em rabiscar a capa do caderno ou fazer ajustes na majestosa caricatura do senhor Trenton, professor de cálculo.

— Ana Julia. – Ele me chama no fim do período quando estou terminando de juntar minhas coisas. — Estou preocupado com suas notas. – Se aproxima com um papel em mãos e o cenho franzido. — Eu pedi um trabalho de compensação de ausência. Dois, aliás, e você não me entregou.

Puxa.

Achei mesmo que estivesse esquecendo algo para esta matéria.

Fora as outras...cinco?

— Estive doente. – É uma resposta genérica e eficiente de uma garota tão grávida.

Mas ele não cai nessa há seis meses.

— Preciso dos trabalhos. – É um alerta.

O seu último.

Bufo quando ele me dá as costas, saindo correndo para casa.

Entendo a preocupação do senhor Trenton e dos demais, mas o meu bebê ainda não sabe escrever para me ajudar com as tarefas da escola enquanto eu bipo compras no supermercado central.

Todo santo dia tem a Beatrice das milhares de moedas, o George com os mais de cinco cartões bloqueados, a senhorinha com deficiência auditiva, o homem que trai a esposa e que conta com muito orgulho sobre a vida dupla como se isso fosse a coisa mais fantástica do mundo.

Trenton e trabalho são as últimas coisas que vou pensar.

— Atrasada! – Resmunga meu supervisor, Mark.

Ele é mais um com quem tenho que me preocupar antes de Trenton. Ranzinza, perfeccionista e mandão.

— Eu sei! Eu sei! – Digo ofegante. — Perdi o ônibus.

A verdade é que eu parei para comer um Muffin de chocolate, o bebê queria muito.

— Não me importo com o que você perdeu, me importo com o horário. Vá rápido se trocar.

Me trocar significa vestir a camiseta com o logotipo da loja.

Sorria e seja amistosa com os clientes, assim eles não vão esquecer o mascote da marca, ao lado esquerdo do tecido branco.

— Boa tarde, querida. – É sempre a mesma ordem. Primeiro Beatrice, depois George, a anciã, e então o traidor. Depois dos quais estou familiarizada; rostos distintos e impacientes.

— Boa tarde. – Cumprimento um dos primeiros clientes desconhecidos.

Um aceno.

É até bastante, às vezes sou ignorada, às vezes nem me olham (apesar de nas últimas semanas eu chamar atenção com minha barriga saliente e protuberante).

Meus pés doem e incham.

Suo em lugares distintos e bizarros.

Ao menos Mark se digna a me deixar um banquinho, mas é incômodo e esmaga a barriga contra o caixa e minhas coxas, o que o torna inútil.

Boa tarde. Boa tarde. Boa tarde.

Não transpareça que está morrendo.

Desculpe os erros. 

Via InternetOnde histórias criam vida. Descubra agora