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~Capítulo não revisado ~

Adorava observar o vento brincar com a folhagem densa das árvores, era calmo e majestoso. A floresta era como uma doce sinfonia composta por vários ecossistemas, desde a menor das formigas carregando folhas ao maior dos mamíferos caçando suas presas, algo digno de apreciação e respeito. Sempre estive sozinho, não lembrava de um dia ter conhecido outros como eu; a natureza me acolheu como um igual e me permitiu morar entre suas matas, os animais menores ainda tinham coragem de chegarem perto de mim, mas os grandes preferiam manter certa distância. Talvez meu cheiro não os agradasse tanto, o cheiro deles também não eram tão bons, não como as flores coloridas que despontavam dos mais inesperados lugares.

Viver livre e em comunhão com a floresta era simplesmente mágico, deitar sob aquele berço confortável de grama enquanto observava o anil do céu sob minha cabeça era perfeito. Porém as coisas mudaram, os animais ficaram mais agitados e nervosos, algo ou alguém havia adentrado o santuário verde. Um odor adocicado invadiu minhas narinas e logo me pus em estado de alerta, aquilo não pertencia ao lugar, segui o rastro doce lentamente; um dos principais ensinamentos que a mata me transmitiu foi o de me tornar invisível, sempre contra o vento, passos leves e respiração calma.

Me encolhi entre a grama alta e observei, o cheiro estava mais intenso. O som de folhas sendo amassadas e galhos partindo me fez virar a cabeça para o lado, aquilo definitivamente não pertencia à floresta. Permaneci onde estava, esperei por alguns segundos até que o vi; o cabelo brilhante como o sol, olhos escarlate como o mais raro rubi, um rosto anguloso e de feições fortes prenderam minha atenção. O menino continuou andando como se não tivesse medo dos animais, como se nada importasse e então percebi que o cheiro adocicado vinha dele. Me senti atordoado, como se meus sentidos estivessem presos num transe, os movimentos do garoto me encantavam, não consegui desviar o olhar daquele intruso intrigante.

No momento em que a nuvem que encobria os raios solares dispersou, pude ver melhor o brilho que emanava de sua pele, era algo dourado e encantador; do mesmo jeito que o enxerguei melhor, ele me viu. Sua reação foi de espanto por ter sido pego sendo observado, ele não tinha cheiro de medo ou apreensão. Tentei me mover quando ele decidiu aproximar-se, mas meus membros pareciam dormentes, meu corpo todo parecia dormir, então rosnei baixinho com esperanças de que aquilo soasse como um aviso. Mas não adiantou. Aquele forasteiro ergueu a pequena mão e tocou de leve minha cabeça, afagou entre minhas orelhas e deslizou pelo meu corpo em direção à cauda.

- Calma lobinho, não vou te machucar. – Ao ouvir sua voz meu coração acelerou no peito e senti minha respiração perder o ritmo calmo de antes. – Você está sozinho? Onde está sua família?

Família... inclinei a cabeça para o lado em dúvida, ele não estava com medo e ainda pareceu preocupar-se comigo. De repente senti outro cheiro vindo dele, mais precisamente de dentro do saco que carregava preso ao corpo. O desconhecido percebeu meu interesse no saco e retirou de lá um pedaço fresco de carne, o cheiro ocre do sangue fez meu estômago roncar e minha boca salivar. Ele aproximou o pedaço de carne ao meu focinho e farejei aquela delícia inalcançável, combati a vontade de abocanhar tudo de vez e virei o rosto em recusa. O menino então deixou a comida no chão e tomou certa distância, farejei novamente a refeição grátis e tentei captar algo como veneno ou outra coisa. Era apenas um pedaço de carne comum, comi tudo rapidamente e olhei para o garoto, será que ele teria mais?

Fui em sua direção com cautela, tentei farejar o mesmo odor ocre, mas não obtive sucesso. Levantei o olhar para seu rosto e me senti paralisar diante do olhar curioso que estampava.

- Não tenho mais, mas posso conseguir para você. Não moro muito longe daqui, mas ninguém pode te ver. – Ele franziu o cenho parecendo pensar em algo. – Já sei! Posso te esconder na minha bolsa, assim não correremos perigo de sermos pegos.

DeclínioOnde histórias criam vida. Descubra agora